BAÚ LITERÁRIO

Tratam-se de textos ( resumos de ensaios) que são publicados a cada 15 dias no suplemento literário da Academia Goiana de Letras ( encarte do jornal Diário da Manhã de Goiânia)

quarta-feira, 7 de julho de 2010

FREUD ESCANDALIZA VIENA

A partir do momento que Freud deixou que seus pacientes, livremente, associassem suas idéias e seus pensamentos, seria inevitável que estes lhes contassem seus sonhos; ele mesmo tinha interesse pelos seus próprios, muito antes de saber compreendê-los.
Freud disse que o sonho funciona como se fora uma miniatura de modelo de neurose, porém, para interpretar e analisar aqueles casos em que estes, aparentemente, escondem esta neurose, precisará recorrer aos símbolos que foram propostos por ele; a energia emocional provocada pela doença se esconde no inconsciente do indivíduo e o consciente funciona como uma barreira que não permite que se aflore a realidade.
Ao descrever um dos seus próprios sonhos: “A injeção de Irma”, Freud não o fez por completo, pois ele percebeu que a discrição (não deixa de ser uma barreira do consciente) não lhe permitia que revelasse seus pensamentos mais íntimos para o publico; ele foi até o suficiente para que possamos compreender que assuntos que envolviam sua própria mulher poderiam provocar suscetibilidades desnecessárias.
É necessário realçar que Freud, ao analisar os sonhos, não estava interessado somente em mentes doentes, como se poderia supor.
Esta descoberta mudou a imagem que tínhamos da mente humana; as neuroses não são simplesmente anomalias, porém são, também, outra maneira de funcionamento da mente; por outro lado, a análise da neurose permite o acesso a compartimentos escondidos na mente que não estão, normalmente, abertas para a inspeção.
A partir destes estudos Freud dividiu a mente em duas partes: a pré-consciência, que contém todas as idéias e memórias capazes de tornarem-se conscientes, e a inconsciência, que é feita de desejos, na maioria das vezes sexual.
Por volta de 1905, Freud publicou os “Três ensaios sobre a teoria da sexualidade”, que era um complemento dos seus artigos sobre a “Teoria da sedução” escritos entre 1895-97, escandalizando a sociedade de Viena, inclusive a médica, uma vez que ele colocou o sexo não apenas na esfera orgânica, mas também, no domínio do psíquico.
Na verdade, o que causava maior escândalo, era a abolição que ele fez da fronteira entre o normal e o patológico, que queria dizer, com outras palavras: somos todos, de alguma maneira, portadores de algum tipo de distúrbio psíquico;falta apenas o diagnóstico.
A histeria não se origina de taras hereditárias nem acidentes orgânicos e sim de acontecimentos banais na vida das pessoas e qualquer um pode sucumbir a ela.
As perversões mais repugnantes e mais contrárias à moral devem ser vistas como sobrevivência da sexualidade infantil, abolindo, com este enunciado, a última fronteira – a inocência da criança!
É a introdução da esfera sexual na vida cotidiana das pessoas, ainda que de maneira reprimida pelo inconsciente, que o público reprovou e se recusou a aceitar.
Se ouvirmos o escritor austríaco Stefan Zweig, cujos anos de adolescência coincidem com a época em que Freud começou a falar sobre suas descobertas (1893 em diante) iremos entender a razão desta “revolta” da população.
Ouçamos Zweig: “Havia um espesso manto de silêncio que encobria a questão do sexo, cujo assunto ninguém ousava tratar abertamente, quer na vida diária, quer na literatura; como exemplo o romance Madame Bovary do escritor Flaubert foi proibido na França.
A ambiguidade da moda que, a pretexto de dissimular as formas do corpo feminino, fazia ressaltar de maneira provocante, gerando efeito contrário ao desejado, tornando os seios mais exuberantes pelo artifício do corpete.
A duplicidade desta moral que assexuava na superfície para estimular em segredo, a convenção definia que o homem deveria possuir instintos, porém, não havia um reconhecimento sincero deste direito para as mulheres, pois, diziam, a natureza feminina não é dotada de desejo sexual, até que um homem o desperte nela – apud Freud, pensador da cultura; Renato Mezan; Cia das Letras, 2005”.
Na verdade Zweig estava, simplesmente, repetindo os mandamentos da moral emanados da era Vitoriana.
Todas as vezes que voltei a Viena fiquei sempre envolvido com os seus famosos cafés nas calçadas, suas confeitarias, casas de vinho, o romantismo que o rio Danúbio impregnou, desde sempre, em nossas lembranças mais antigas e, também, com a figura e a “presença” de Mozart; porém, nunca desaparece a impressão de que esta cidade foi, um dia, Imperial.
Sua localização, nas imediações dos Alpes, obriga-nos a pensar alto: Viena não perdeu sua grandeza, ela apenas perdeu seu Império; a lembrança de Sissy,a Imperatriz dos Habsburgo, representa para nós a fantasia da sua existência e para o historiador a memória da Áustria antiga.
Ao pararmos em frente à “Ópera Royal”, o primeiro edifício público construído na Ringstrasse em 1869, portanto, quando Freud completava 13 anos de idade, somos obrigados a pensar na população que a frequentava e, principalmente, sobre seus costumes.
Com certeza esta população não estava preparada para entender e aceitar que Freud estava mudando a visão convencional sobre sexo e perversão; que os objetivos do prazer e procriação, nem sempre coincidem; sexo e aparelho genital são duas coisas completamente diferentes; o prazer sexual pode ser obtido de qualquer uma das partes do corpo, pois, sexualidade nem sempre está relacionada à atividade dos órgãos genitais.
Freud foi mais longe ao dizer: A história sexual do individuo inicia-se com o seu nascimento!
Por quê? Veremos no próximo capítulo.

FREUD ENUNCIA O COMPLEXO DE ÉDIPO

Como vimos no capítulo anterior, parece-nos que Freud, depois que se mudou para a sua casa-consultório na Berggasse 19, passou a viver somente em função do desenvolvimento da nova ciência que criara, a psicanálise.
Não estamos afirmando que ele se descuidava dos deveres para com os amigos e a família; pelo contrário, ele era muito amoroso com a esposa e principalmente com os filhos, como atesta esta carta que enviou ao amigo Fliess, a respeito da sua primeira filha Mathilde “... A vida vai em frente, quando nossa pequena Mathilde brinca, nós pensamos que isto é a coisa mais maravilhosa que poderia acontecer para nós – maio de 1888”; e, na fotografia feita no jardim da sua casa em 1898, aparece Freud, sua esposa Martha, sua cunhada Mirna (que mais tarde passaria a morar com eles), e mais cinco filhos (Sigmund Freud- His Life in Pictures, André Deutsch, 1978, London).
Vejo a cidade de Viena, disse ele por esta época, “com os olhos de um pintor: objeto de pura visão, mais eis que se eleva o vento noturno e o terrível segredo que se esconde sob a imagem visual, pulsa a vida”.
Seu consultório, em aparente desalinho, como afirmamos anteriormente, é consentâneo com as suas idéias, pois, as figuras mitológicas e as advindas de escavações de ruínas arqueológicas, espalhadas por todos os cantos, consubstanciam uma das metáforas preferidas de Freud: “o psicanalista vai clareando o caminho, analisando camada por camada, todo o material psicológico e patogênico, similar com o que acontece com as técnicas de escavações de ruínas à procura de peças de uma cidade destruída, à procura do encontro com o passado.
Como o arqueologista, o psicanalista às vezes encontra promissoras pistas, outras vezes decepcionantes; se ele continua aprofundando neste caminho nada vai garantir descobertas importantes; como o arqueologista ele tem que ter cuidado para não destruir o local das provas, tem que ter paciência e delicadeza; como o arqueologista tem que agir como um cientista guiado por construções técnicas, porém, abertas para possíveis revisões.
Toda disciplina científica está envolvida na pesquisa de fatos ou leis não conhecidas; para tornar visível o que é invisível, necessita de interpretação.
As evidências são fragmentárias, têm que trabalhar do presente para o passado, depois muda outra vez, agora do passado para o presente, o arqueologista reconstrói uma estátua e um templo, a partir de pequenos fragmentos e o psicanalista reconstrói a origem da neurose a partir de memórias distorcidas e involuntários deslizes.
O que é obscuro precisa e deve tornar-se claro, o que é latente precisa tornar-se manifesto”.
Freud, por esta época, virada do século, fez duas revolucionárias descobertas ao procurar interpretar os sonhos, principalmente os seus próprios sonhos:
Geralmente um sonho representa a realização de um desejo, porém, não quer dizer que conseguimos sonhar tudo o que desejamos e o desenvolvimento de um sonho evidencia a participação do inconsciente, pois durante o sono o consciente do individuo está indefeso e o que provavelmente provocou maior discórdia quando foi enunciado, o sonho, geralmente, expressa um desejo sexual.
Muitas vezes, dizia Freud, o sonho expressa uma idéia latente, cujos objetos visualizados, ou símbolos, que normalmente não têm nenhuma conotação sexual, precisam ser interpretados.
Alguns exemplos (símbolos) citados por Freud são interessantes de serem lembrados: sonhar com objetos penetrantes como espadas, espingardas, sombrinhas, cobras, pode simbolizar o pênis; por outro lado, objetos que sugerem receptáculos como caixas, bolsas, cavernas, podem simbolizar a vagina.
Ao interpretar seu próprio sonho ocorrido quando tinha oito anos de idade (entrou no quarto dos pais quando eles, provavelmente, estavam tendo relação sexual), Freud descreveu o Complexo de Édipo, cuja história pode ser resumida no desejo de incesto do filho com a mãe, acompanhado de ciúmes contra o próprio pai.
A rede Globo de televisão levou ao ar no final de 1987 a novela Mandala, que acabou provocando enorme polêmica, pois tratava de assuntos complicados (incesto, bissexualismo, repressão política, racismo e drogas).
O governo Sarney ainda mantinha resquícios da ditadura e, por conseqüência, a censura proibiu sua exibição, se não fossem feitos alguns reparos, o que de fato ocorreu.
No enredo da história, Jocasta (Vera Fischer) tem um romance com Laio (Perry Salles) e deste relacionamento nasce Édipo (Felipe Camargo), que é roubado logo ao nascer. Laio consulta um paranormal (Nuno Leal Maia) que, ao jogar búzios, chega à conclusão que no futuro, Édipo irá matar seu pai e terá um romance com a sua própria mãe.
A vida imita a arte, como diria Oscar Wilde; na vida real aconteceu, algum tempo depois, o casamento de Vera Fischer com Felipe Camargo, por sinal, um casamento tumultuado.
Precisaríamos de Freud para ajudar-nos a explicar este segundo tempo (brasileiro) do Complexo de Édipo.

BERGGASSE, 19 – VIENA – CONSULTÓRIO DE FREUD – VII

O período compreendido entre o final do século XIX e inicio do século XX foi o divisor de águas na história do mundo; a Rainha Vitoria ainda reinava na Inglaterra; a Alemanha Imperial, governada pelo todo poderoso Kaiser Guilherme II, começava a exigir maior respeito às suas posições; na Rússia Imperial o Czar Nicolau II estava iniciando seu reinado que, como sabemos, teve epílogo sangrento.
A Áustria-Hungria, com o Império dos Habsburgos, dominava, há muitos séculos, grande parte da Europa Central e Oriental; o Império Otomano, a partir de Constantinopla, com seu regime de Sultões, era soberano no que hoje chamamos de Oriente Médio e a África e a Ásia eram governadas por alguns países da Europa; os Estados Unidos era, ainda, o gigante adormecido.
A Europa era o centro do mundo!
Analisando, agora à distância, podia se perceber que a aparente tranquilidade no solo Austríaco, escondia ou pelo menos procrastinava um grave acontecimento que seria o inevitável conflito armado, tendo em vista o advento do nacionalismo, o consequente inicio do armamento das nações e a explosiva rivalidade anglo-germânica.
Freud, como um dos habitantes de Viena, provavelmente não tinha este pressentimento, ou pelo menos não se ocupava com tais assuntos, pois, continuava sua vida indiferente a estas possíveis conturbações políticas; consultando grande volume de correspondência desta época que ele costumeiramente trocava com vários interlocutores, inclusive, com a sua noiva e depois esposa, não consegui perceber, mesmo nas entrelinhas, qualquer sinal de preocupação, mesmo porque Freud era objetivo na definição dos assuntos, com pouco espaço para devaneios.
Em carta que enviou em 12.6.1900 para seu amigo Fliess ele sai um pouco desta linha de sobriedade, até para confirmar o que dissemos acima sobre o seu estado de espírito, e fala da sua alegria de estar em uma casa de campo em Wienerwald “... A vida em Bellevue está se desenvolvendo de forma muito agradável para todos nós. As noites e manhãs são lindas; o aroma da acácia sucedeu ao do lilás, as rosas selvagens estão em flor...” ( Correspondência – 1873-1939, Ed. Nova Fronteira, 1982).
Sua vida profissional e doméstica era estável, assim como seus projetos científicos, pois havia publicado vários trabalhos, dentre eles os que tratavam da histeria, das obsessões e fobias e da ansiedade e neurose.
Desde setembro de 1891 a família Freud vivia em novo endereço – Berggasse 19, Viena, em um apartamento de dois andares, sendo no térreo o seu consultório e no andar superior o da família propriamente dito; aliás, é necessário que se diga que ele viveu ali por quase meio século, só saindo quando a Áustria foi ocupada pelos nazistas em junho de 1938, asilando-se na Inglaterra.
Quando ele veio para este endereço era apenas um jovem neurologista com ideias não ortodoxas e com o futuro para ser feito, quando saiu era famoso no mundo inteiro e, principalmente, fundador de uma nova ciência.
Entre as paredes do seu apartamento ele escreveu a maioria dos seus livros, analisou a maioria dos seus pacientes, incluindo a histórica auto-análise; ali ele organizou sua biblioteca, colecionou artes, criou seus filhos e conduziu uma volumosa correspondência discutindo suas ideias e, principalmente, sustentou, com a sua liderança, o embrionário movimento psicanalítico mundial.
Hoje sua casa é um museu e, uma simples placa colocada na entrada, alerta o visitante: “Sigmund Freud viveu e trabalhou aqui”; indicativo muito modesto para alguém que fez uma decisiva descoberta na história da humanidade; não seria exagero cognominá-lo de o “Cristóvão Colombo da mente”.
Confesso, com sinceridade, foi um dos momentos de grande emoção a visita que fiz, na década de 1980 à Berggasse 19, local onde morou Freud, situado nas imediações da Universidade de Viena; havia chovido pela manhã, o calçamento de pedra ainda estava molhado e o dia estava um pouco escuro, transmitindo tristeza para o olhar do turista.
As bandeiras nazistas, felizmente, não mais tremulavam na sua fachada, como mostram fotografias feitas em 1938 pelo fotografo Edmund Engelman (Berggasse 19, Basic books, inc. New York, 1976).
A fachada do edifício é no estilo renascentista; após a porta de entrada, surge um corredor pouco iluminado, terminando com o inicio de uma escada que dá acesso aos andares superiores, inclusive ao apartamento-consultório de Freud.
A mesma surpresa que sentimos ao visitar seu consultório acredito que os seus antigos pacientes devem ter sentido: parece que aquela profusão de coisas espalhadas por todo canto, tais como livros, pinturas, tapetes, esculturas e estatuetas (grande quantidade) emparelhadas umas ao lado das outras, algumas fotografias “escondendo um livro”, enfim, provavelmente nem Freud poderia explicar a razão de ter sido colocado um pequeno espelho dependurado na janela (teria sido um presente e não havia mais espaço onde colocá-lo?)
Era, realmente, um museu de antiguidades; para onde se olhasse, evocar-se-ia a ideia do passado; objetos vindos do Egito, Grécia, Roma e do Oriente, consentâneo com a idéia (dele) de que o paciente que o procurasse, estava tentando redescobrir suas origens e reacender as cinzas da sua história.
A peça mais emocionante é o “console” onde o paciente se deitava confortavelmente; a cabeça escorada por travesseiros e Freud ficaria sentado em uma poltrona na cabeceira, fora da visão do paciente.
O consultório de Freud é a síntese de mais uma das suas costumeiras metáforas, o ponto de aproximação do psicanalista com o arqueologista, porém, este é assunto para nosso próximo capítulo.



BERGGASSE, 19 – VIENA – CONSULTÓRIO DE FREUD – VII

O período compreendido entre o final do século XIX e inicio do século XX foi o divisor de águas na história do mundo; a Rainha Vitoria ainda reinava na Inglaterra; a Alemanha Imperial, governada pelo todo poderoso Kaiser Guilherme II, começava a exigir maior respeito às suas posições; na Rússia Imperial o Czar Nicolau II estava iniciando seu reinado que, como sabemos, teve epílogo sangrento.
A Áustria-Hungria, com o Império dos Habsburgos, dominava, há muitos séculos, grande parte da Europa Central e Oriental; o Império Otomano, a partir de Constantinopla, com seu regime de Sultões, era soberano no que hoje chamamos de Oriente Médio e a África e a Ásia eram governadas por alguns países da Europa; os Estados Unidos era, ainda, o gigante adormecido.
A Europa era o centro do mundo!
Analisando, agora à distância, podia se perceber que a aparente tranquilidade no solo Austríaco, escondia ou pelo menos procrastinava um grave acontecimento que seria o inevitável conflito armado, tendo em vista o advento do nacionalismo, o consequente inicio do armamento das nações e a explosiva rivalidade anglo-germânica.
Freud, como um dos habitantes de Viena, provavelmente não tinha este pressentimento, ou pelo menos não se ocupava com tais assuntos, pois, continuava sua vida indiferente a estas possíveis conturbações políticas; consultando grande volume de correspondência desta época que ele costumeiramente trocava com vários interlocutores, inclusive, com a sua noiva e depois esposa, não consegui perceber, mesmo nas entrelinhas, qualquer sinal de preocupação, mesmo porque Freud era objetivo na definição dos assuntos, com pouco espaço para devaneios.
Em carta que enviou em 12.6.1900 para seu amigo Fliess ele sai um pouco desta linha de sobriedade, até para confirmar o que dissemos acima sobre o seu estado de espírito, e fala da sua alegria de estar em uma casa de campo em Wienerwald “... A vida em Bellevue está se desenvolvendo de forma muito agradável para todos nós. As noites e manhãs são lindas; o aroma da acácia sucedeu ao do lilás, as rosas selvagens estão em flor...” ( Correspondência – 1873-1939, Ed. Nova Fronteira, 1982).
Sua vida profissional e doméstica era estável, assim como seus projetos científicos, pois havia publicado vários trabalhos, dentre eles os que tratavam da histeria, das obsessões e fobias e da ansiedade e neurose.
Desde setembro de 1891 a família Freud vivia em novo endereço – Berggasse 19, Viena, em um apartamento de dois andares, sendo no térreo o seu consultório e no andar superior o da família propriamente dito; aliás, é necessário que se diga que ele viveu ali por quase meio século, só saindo quando a Áustria foi ocupada pelos nazistas em junho de 1938, asilando-se na Inglaterra.
Quando ele veio para este endereço era apenas um jovem neurologista com ideias não ortodoxas e com o futuro para ser feito, quando saiu era famoso no mundo inteiro e, principalmente, fundador de uma nova ciência.
Entre as paredes do seu apartamento ele escreveu a maioria dos seus livros, analisou a maioria dos seus pacientes, incluindo a histórica auto-análise; ali ele organizou sua biblioteca, colecionou artes, criou seus filhos e conduziu uma volumosa correspondência discutindo suas ideias e, principalmente, sustentou, com a sua liderança, o embrionário movimento psicanalítico mundial.
Hoje sua casa é um museu e, uma simples placa colocada na entrada, alerta o visitante: “Sigmund Freud viveu e trabalhou aqui”; indicativo muito modesto para alguém que fez uma decisiva descoberta na história da humanidade; não seria exagero cognominá-lo de o “Cristóvão Colombo da mente”.
Confesso, com sinceridade, foi um dos momentos de grande emoção a visita que fiz, na década de 1980 à Berggasse 19, local onde morou Freud, situado nas imediações da Universidade de Viena; havia chovido pela manhã, o calçamento de pedra ainda estava molhado e o dia estava um pouco escuro, transmitindo tristeza para o olhar do turista.
As bandeiras nazistas, felizmente, não mais tremulavam na sua fachada, como mostram fotografias feitas em 1938 pelo fotografo Edmund Engelman (Berggasse 19, Basic books, inc. New York, 1976).
A fachada do edifício é no estilo renascentista; após a porta de entrada, surge um corredor pouco iluminado, terminando com o inicio de uma escada que dá acesso aos andares superiores, inclusive ao apartamento-consultório de Freud.
A mesma surpresa que sentimos ao visitar seu consultório acredito que os seus antigos pacientes devem ter sentido: parece que aquela profusão de coisas espalhadas por todo canto, tais como livros, pinturas, tapetes, esculturas e estatuetas (grande quantidade) emparelhadas umas ao lado das outras, algumas fotografias “escondendo um livro”, enfim, provavelmente nem Freud poderia explicar a razão de ter sido colocado um pequeno espelho dependurado na janela (teria sido um presente e não havia mais espaço onde colocá-lo?)
Era, realmente, um museu de antiguidades; para onde se olhasse, evocar-se-ia a ideia do passado; objetos vindos do Egito, Grécia, Roma e do Oriente, consentâneo com a idéia (dele) de que o paciente que o procurasse, estava tentando redescobrir suas origens e reacender as cinzas da sua história.
A peça mais emocionante é o “console” onde o paciente se deitava confortavelmente; a cabeça escorada por travesseiros e Freud ficaria sentado em uma poltrona na cabeceira, fora da visão do paciente.
O consultório de Freud é a síntese de mais uma das suas costumeiras metáforas, o ponto de aproximação do psicanalista com o arqueologista, porém, este é assunto para nosso próximo capítulo.



FREUD INICIA SUA AUTOANÁLISE E A INTERPRETAÇÃO DOS SONHOS – VI

O Prof. Jean Martin Charcot, naquela época um dos mais famosos neurologistas do mundo, diretor do Asilo Salpêtrière de Paris, com quem Freud teve oportunidade de estagiar por quase seis meses (1885-1886), deixou marcas indeléveis na evolução dos estudos sobre os distúrbios do psiquismo em que Freud estava envolvido.
Ao lado de frisar a importância dos conhecimentos que adquiriu, estando ao lado de Charcot, Freud deu demonstração de independência crítica ao não concordar com tudo o que ouvia do Mestre, como ficou patenteado no prefácio do livro “Conferências das terças-feiras de Charcot” que ele traduziu do francês para o alemão.
Além de tecer elogios ao Professor, “ essas conferências encerram material novo que ninguém, nem mesmo os especialistas no assunto, as lerá sem um considerável acréscimo em seus conhecimentos”, Freud foi também crítico, ao justificar as notas que ele acrescentou no rodapé do texto que traduziu, em que ele diz, textualmente: “ Essas notas são de minha autoria... em parte são objeções e anotações críticas, tais como as que podem ocorrer a quem está ouvindo uma conferência... simplesmente estou pretendendo exercer o direito de criticar... É evidente que o faço segundo meu próprio ponto de vista, na medida em que este diverge das teorias de Salpêtrière (Sigmund Freud – Vol. I, Ed. Imago, 1996)”.
Freud tinha consciência que Charcot, com o uso da hipnose, havia dado o primeiro passo no sentido da humanização do tratamento das neuroses, porém esta técnica e a sua própria, denominada “técnica de pressão”, continuavam, sob seu ponto de vista, sendo arbitrárias e autoritárias.
Achava, também, que a sua nova técnica “Livre associação de idéias”, ao buscar no passado do inconsciente, os eventos traumáticos que estavam causando os sintomas, poderia ser a chave para solucionar a problemática dos distúrbios neuróticos.
Pela sua honestidade intelectual, Freud se deu conta que precisava testar em si mesmo, para provar se as hipóteses que aventava acerca do funcionamento da mente eram realmente corretas e aplicáveis a outros; se os fenômenos que via nos seus pacientes não poderiam ser, simplesmente, distorções do funcionamento psíquico de todos os homens e não somente daquele paciente em particular.
Em 1897 ele iniciou uma proeza única e ainda insuperável: a autoanálise.
Concomitantemente com esta decisão ou por causa desta, ele resolveu interpretar seus próprios sonhos; o primeiro, não obrigatoriamente na ordem cronológica dos acontecimentos, porém, no registro bibliográfico do livro “Interpretação dos sonhos” que ele publicou em 1900, foi o sonho “Injeção de Irma” e que foi o marco inicial da revelação do mistério dos sonhos, conforme ele escreveu para seu amigo Dr. Fliess em 24.7.1895 (Correspondência Freud e Fliess, Ed. Imago, 1986).
Ao analisar este sonho ele considerou as associações de cada elemento do mesmo, comparando, cuidadosamente, com outros acontecimentos e descobriu como são as elaborações oníricas. Chegou a esta conclusão pela análise de outros seus sonhos e também dos seus pacientes.
Em uma carta que ele enviou ao seu amigo Fliess, Freud dá mostra, mais uma vez, da sua intelectualidade (texto maravilhoso) e da sua visão quanto ao futuro da sua nova descoberta; diz ele “... A autoanálise pode ser comparada à situação de um explorador que se abala à sua viagem sem saber de sua destinação, não tendo em seu equipamento nem mapas, nem bússolas, inseguro a respeito dos instrumentos de que irá precisar na sua caminhada...”.
Os especialistas em psicanálise sabem que um dos mais importantes ingredientes de toda análise é a “transferência”; o analisando desenvolve um relacionamento muito especial em relação ao analista que reflete todos os seus intensos relacionamentos a figuras importantes do passado – pais e irmãos.
Esta relação de transferência é essencialmente uma repetição do passado; Freud era seu próprio analista e o elemento de transferência passou a ser seu amigo Dr. Fliess.
No próximo capítulo iremos discutir este relacionamento e, sobretudo, esta “transferência”.

FREUD É ACEITO COMO CATEDRÁTICO DA UNIVERSIDADE DE VIENA. - V

O intervalo compreendido entre os anos de 1897 e 1900 foram muito difíceis para o Império Austro-Húngaro, devido, principalmente, ao grande problema das múltiplas nacionalidades dentro do seu território e daí, como consequência das discussões étnicas, surgiram conflitos sobre a definição do idioma oficial de cada um destes grupos, paralisando completamente o governo.
O Parlamento era obstruído ora pelos parlamentares alemães ora pelos tchecos, impossibilitando, por isto, a formação de Ministérios; a Monarquia que, a partir de 1867, havia abandonado o regime absolutista e iniciado a era constitucional, com a instituição do “Ministério dos cidadãos”, se viu obrigada a suspender, em 1900, esta maneira de governar e instituiu o chamado “Ministério dos Burocratas”.
Entregou a incumbência da formação deste novo Ministério a um homem considerado competente e imaginativo, Ernest Koerber, que passou a governar o Império por meio de decretos enquanto procurava uma solução para o imbróglio político.
Verificou que duas vertentes da vida austríaca poderiam, pela repercussão das suas ações e pelos interesses comuns de todos os cidadãos do Império, alcançar seu desiderato de acalmar a vida política: a área econômica e a cultural.
Verificou, também, que culturalmente era importante o Estado apoiar a corrente do “modernismo” que já emitia sinais de presença no interior da fronteira austríaca, onde os grupos nacionalistas estavam desenvolvendo artes étnicas separadas; os modernistas, no entanto, tomavam caminho oposto, abrindo o trânsito na Áustria para as correntes universalistas do pensamento europeu.
Ao lado desta problemática, que palidamente desenhamos havia, ainda, nos albores do século XX, pairando no horizonte, uma nuvem de preocupação quanto ao problema de hostilidades entre as nações que poderiam desembocar em novo conflito armado.
Foi, provavelmente, pensando nisto que O Czar Nicolau II da Rússia provocou a segunda reunião da Convenção de Haia na Holanda (1899), quando se procurou estabelecer algumas regras básicas para as guerras e catalogava alguns crimes de guerra.
Por esta época (1897), uma das grandes frustrações de Freud foi a não aceitação, por parte do Ministério da Cultura, da indicação feita pelo corpo docente da Faculdade de Medicina da Universidade de Viena, para ele ocupar uma cátedra.
Em 1901 Freud convenceu seus “padrinhos” universitários a reabrirem o processo e, só agora, ele descobriu que precisaria da ajuda de alguém com acesso ao Ministro; procurou uma protetora e sua cliente, a Baronesa Marie Ferstel, esposa de um diplomata; esta prometeu ao Ministro a doação de uma valiosa pintura para a “Galeria de Arte”!
Em março de 1902, conta Freud, a Baronesa entra no seu consultório com a carta do Ministro, dando-lhe a boa nova:
- Freud foi, finalmente, nomeado catedrático da Universidade de Viena!
A partir da eleição de Lueger, antissemita confesso, para a prefeitura de Viena (1895) Freud passou a viver isolado da sociedade, além de estar profissionalmente frustrado, ocupando-se, quase que tão somente, da elaboração da sua obra que marcaria época: “A Interpretação dos sonhos” pois entendia aquela recusa do governo em nomeá-lo para a cátedra, ao fato de ser judeu.
Provavelmente ele tinha alguma razão, porém, não podemos ser tão reducionista para aceitar, como única razão para suas dificuldades, o problema racial; havia, desde 1890, um inicio de confrontação de classes dentro do Império e o que era antes uma luta de idéias entre liberais versus conservadores, passou a ter a participação de estratos sociais das classes inferiores que geravam forças para contestar o poder das elites mais antigas.
Da classe operária surgiu o socialismo, da classe média o nacionalismo e o socialismo cristão virulento nas refregas sociais.
A eleição de Lueger foi um golpe, não somente contra os judeus, mas, também, contra a classe cultural liberal que não aceitava a tutela das idéias.
Para corroborar esta nossa afirmativa, invoco o historiador Carl Schorske (Viena fin-de-Siecle, Cia. das Letras, 1989):
“Nos anos de 1895 a 1900, quando Freud, socialmente retirado e profissionalmente frustrado, trabalhava na sua Interpretação dos Sonhos, obra que marcou sua época, Gustav Klimt estava engajado como explorador artístico num empreendimento muito diferente; Klimt liderava um grupo de artistas heréticos.
No entanto, ambos tinham muito em comum; colocaram uma crise pessoal de meia idade a serviço de uma reorientação radical do seu trabalho profissional, ambos soltaram as amarras biológicas e anatômicas dos campos que escolheram – a psicologia e a arte.
Quando apresentaram ao público os resultados de suas explorações, encontraram, em graus variados, a resistência de dois setores: a ortodoxia acadêmica liberal-racionalista e os antissemitas.
Ambos se retiraram da vida pública, abrigando-se no círculo dos que lhe eram fiéis, para preservar o novo terreno que tinham conquistado”
Klimt foi um dos mais famosos pintores simbolistas austríacos; em 1897 fundou e presidiu o movimento por ele denominado “Secessão”, equivalente à art nouveau, ou rejeição das certezas do século XX, tendo como lema: “À época sua arte, à arte sua liberdade”.
Esta rebeldia teria um preço! Quando Klimt foi escolhido para a cátedra na Academia de Belas Artes, o Ministério, contra todas as expectativas, não confirmou a indicação.
Depois de sua morte, uma de suas pinturas “Adele Bloch-Bauer I” foi comprada por uma galeria de Nova York, por cento e trinta e cinco milhões de dólares.
Gustav Klimt não era Judeu!
No próximo capítulo discutiremos a Interpretação dos Sonhos.




O NASCIMENTO DA PSICANÁLISE - Capítulo IV -


Ao analisarmos a vida social, política e social da Áustria do meio para o final do século XIX, podemos entender a dificuldade para a aceitação das novas idéias que estavam sendo propostas por Freud, principalmente sua coragem em discutir a sexualidade como imbricamento de alterações da esfera psicológica.
Viena, a capital da dinastia dos Habsburgo, era considerada a metrópole de todos os povos da Europa central, situada a meio caminho entre o ocidente e o império Otomano, era habitada por uma heterogênea comunidade de Alemães, Húngaros, Poloneses, Tchecos, Croatas, Romenos e Ucranianos, tendo o Imperador como elemento de mediação desta complexa mistura de raças.
Desde 1867, com o coroamento de Francisco José em Budapeste, o Império Austro/Húngaro conseguia sobreviver ao desafio da manutenção desta tênue união, embora a Áustria com seus territórios feudais (Boemia, Moravia e Galícia) e Hungria (Croácia, Transilvânia, Eslováquia), gozassem de autonomia política, inclusive com seus respectivos parlamentos.
Analisando a bibliografia que tive acesso (Cartas, artigos, biografias, etc.), não percebi, em nenhum momento, qualquer envolvimento de Freud com a política, com as artes, muito menos com a musica e a ópera, que eram as paixões dos Vienenses; pelo contrário, conseguimos visualizá-lo bem distante da classe de intelectuais (escritores, pintores).
Freud nasceu em 1856 e quase que na mesma época nasceram, também, Victor Adler, grande líder político, Alois Riegl, fundador da escola Vienense de história da arte, o musicista Gustav Mahler, Gustav Klimt, pertencente à vanguarda modernista, Arthur Schnitzler, médico e escritor; naquela época Viena contava com cerca de 500.000 habitantes, portanto com grande probabilidade de se conhecerem mutuamente e, talvez, se aproximarem.
A não ser algumas incursões sobre a posição antissemita do prefeito Lueger e quando do caso Dreyfus na França, parece-nos, à distância, que Freud era um partidário do slogan “ciência pela ciência” como colorário do conhecido “arte pela arte”.
Não circula pelos ambientes aristocráticos dos cafés de Viena, é um cientista que se debate com grande dificuldade econômica para viver; para não ficarmos apenas com o raciocínio de debitar todo o retraimento de Freud ao problema financeiro, precisamos ter em conta que estamos lidando com um gênio da humanidade e, provavelmente, ele poderia repetir com o prêmio Nobel de literatura, seu conterrâneo, escritor Hermann Broch: “A Áustria do século XIX, não apenas no domínio intelectual, mas, também no campo político, havia se tornado um Estado bom para ser guardado no museu”, e, como conseqüência não tivesse, também, interesse pela vida mundana da sua cidade.
Por outro lado, ele estava muito envolvido com a evolução da sua nova descoberta, a psicanálise; em pouco tempo ele se conscientizou que a maneira de aplicá-la, como vinha fazendo (questionamentos ao paciente enquanto fazia pressão com as mãos sobre a sua nuca) funcionava como um elemento de pressão psicológica e o pior, as respostas eram pontuais às perguntas que eram feitas.
Baseado nestas observações, Freud passou a utilizar uma nova técnica que ele denominou de “livre associação” – o paciente deveria falar tudo o que lhe interessava falar, sem a interferência do médico, que apenas ouvia.
Depois do seu afastamento cientifico com o Dr. Breur, Freud ficou com poucos interlocutores; por esta época ele se aproximou de um médico Berlinense, especialista em otorrinolaringologia, de nome Wilhelm Fliess, com quem passou a manter constante correspondência e com quem poderia trocar idéias a respeito da sua descoberta e do seu isolamento científico.
“abril, 1896. Querido Fliess ...Uma palestra sobre etiologia da histeria teve uma recepção gélida por parte daqueles imbecís, é isto, depois de se ter demonstrado a eles a solução de um problema de mais de mil anos; pois que vão para o inferno!”
“ Maio de 1896, Querido Fliess... Estou isolado. Alguém deu instruções para que eu fosse abandonado, pois um vazio está se formando a meu redor... meu consultório está vazio, por semanas a fio não vejo nenhum rosto novo” – Correspondência Completa de Freud e Fliess, Ed. Imago- RJ, 1986.
Discutiam, também, sobre suas dificuldades econômicas (muitos filhos, seus pais, sua esposa e sua cunhada para sustentar), sua nova teoria que ainda não era bem aceita pela clientela; ao lado disto, sua vida era toda envolvida com a evolução da sua nova ciência,
com pouco ou quase nenhum momento de lazer (aos sábados à tarde jogava cartas “tarô”, passeios pelos campos dos arredores e colecionando antiguidades)
Foi, também, por esta época (anos de 1890) que ele se deu conta da sua própria neurose, coincidindo, além disto, com o falecimento do seu pai, a quem ele era espiritualmente muito ligado.
Dois fatos muito importantes para a psicanálise ocorreram durante estes difíceis anos da vida de Freud: inicio da sua autoanálise e os primeiros passos na tentativa de fazer a Interpretação dos Sonhos.
Qual foi a técnica que ele utilizou para este desiderato será motivo do próximo capítulo.

FREUD INICIA SUA VIDA PROFISSIONAL – III


As três principais cidades do Império Prussiano no final dos anos 1880 eram Viena, Praga e Budapeste e a ideologia política professada pelo Império Habsburgo era o capitalismo liberal que mostrava sinais evidentes de inicio de naufrágio, principalmente pela posição assumida pelo Prefeito de Viena, um dos líderes do Partido Social Democrata, Karl Lueger, um antissemita declarado, que elegeu os Judeus, um dos sustentáculos da economia da cidade, como “bodes expiatórios” da grande depressão que assolava o Império.
Na esteira destas dificuldades econômicas enfrentadas pela população de Viena no final do século XIX, os profissionais liberais, principalmente os que estavam iniciando suas atividades, como Freud era, sem dúvida, encontrar um local adequado para se instalar.
Embora a construção da Ringstrasse fosse uma tentativa de modernizar a vida Vienense, a estrutura arquitetônica da cidade ainda estava muito arraigada nos conceitos históricos do passado.
Uma destas concepções era a construção de edifícios que acomodassem tanto o local de trabalho (um consultório médico, por exemplo) como a casa residencial do profissional; uma das conseqüências desta “anarquia” habitacional era a dificuldade para o profissional conseguir divulgar o endereço do seu local de trabalho.
Ganhava corpo, por aquela época, as idéias de um arquiteto de nome Otto Wagner que propunha um novo ordenamento arquitetônico da cidade de Viena; dentre estas inovações estava, justamente, a separação da casa residencial do local de trabalho; em síntese, seriam construções diferentes para cada uma das finalidades, inclusive quanto ao estilo arquitetônico da construção. (Viena fin-de-siecle, Carl Schorske, Cia das Letras, 1988)
Freud conseguiu um local com esta nova concepção, estrategicamente localizada na Rathausstrasse, nas imediações da Universidade de Viena, onde abriu seu consultório, no final de 1886.
Apesar das suas grandes dificuldades econômicas e vivenciais, sua clientela foi aumentando gradativamente; durante três dias da semana trabalhava como neurologista, no Instituto de Pediatria, e nos outros dias dedicava-se à sua crescente clientela.
Algumas semanas após iniciar sua vida profissional propriamente dita casou-se com Martha, após um noivado de quatro anos e, logo em 1887, teve o primeiro dos seus seis filhos; aliás, é bom que se diga, todos nascidos em um período de sete anos.
Durante um ano e meio Freud continuou utilizando na sua clientela os métodos curativos tradicionalmente utilizados na época – eletroterapia, massagens e banheiras terapêuticas; os resultados não eram os que ele esperava quanto à cura dos pacientes, tornando-os dependentes da terapêutica.
Foi baseado nestes resultados que Freud passou a utilizar o que aprendera com Charcot em Paris, o Hipnotismo que, aliás, já estava alcançando alguma popularidade.
O médico Josef Breuer, famoso internista, possuidor de grande clientela em Viena, grande amigo de Freud, havia lhe passado a informação (1882) sobre um interessante caso de uma mulher de 21 anos de idade, com sintomas histéricos que ele estava cuidando por intermédio da hipnose, cuja descrição clínica (O caso Anna O), publicado pelos dois em um livro “Estudos sobre histeria” passou a ser um clássico da literatura psicanalítica mundial e, historicamente, reconhecido como o episódio que deu início à psicanálise.
Esta mulher, depois reconhecida como Bertha Pappenheim, quando hipnotizada, segundo Breuer, se lembrava de detalhes de quando os sintomas histéricos apareceram e, com a emoção da lembrança do que estava represado, os sintomas histéricos desapareciam; este fenômeno foi denominado por Breuer de “catarse”.
Freud passou, a partir daí, a usar esta técnica como método exclusivo de tratamento e concluiu, para espanto de Breuer, que o trauma original leva à formação de sintomas psiconeuróticos, quase sempre ligados ao sexo.
À medida que o tempo foi passando Freud passou a observar que alguns pacientes não poderiam ser hipnotizados e outros, quando hipnotizados, eram somente temporariamente curados e, após alguns dias após a sessão, voltavam a apresentar os mesmos sintomas; estas evidências levaram-no, gradativamente, a abandonar o hipnotismo.
A sugestão da hipnose somente aumenta a carga de elementos eróticos do paciente, pensava ele; a partir desta constatação, Freud passou a adotar outro método de tratamento que ele denominou de “técnica da pressão” ou da “concentração”: - quando ele pressionava sua mão ao encontro da cabeça do paciente e ao mesmo tempo fazia-lhe diversos questionamentos, as respostas eram analisadas dentro do contexto da história clínica que lhe foi narrada previamente. Foi este passo que deu inicio a atual psicanálise.
No próximo capítulo discutiremos os passos iniciais nesta nova ciência.



FREUD ENFRENTA A CIDADE DE VIENA - II

Quando a família de Freud (seus pais e seus irmãos) mudou-se em 1860 para Viena, capital da Monarquia Austro-Húngara, o Imperador Francisco José, pertencente à casa dos Habsburgo, governava o Império; Freud tinha, na época, quatro anos de idade.
A mudança foi devida a problemas financeiros (Jacob, seu pai, era comerciante de peles de animais) que enfrentavam em Freiberg, cuja população era constituída de 4.596 habitantes distribuída por 628 casas.
Por aquela época, no entanto, a situação econômica do Império e, por consequência, também de Viena, estava cada vez mais sufocante; havia, é verdade, o romantismo do rio Danúbio, a sensualidade das valsas de Strauss e o charme dos seus cafés, porém, havia a parte marginalizada e não muito visível da cidade: a pobreza, acarretada pelo desemprego, que se reunia em guetos e túneis por onde passavam as redes de esgotos.
Um outro fator complicador para a família Freud eram as atitudes francamente antissemitas de Karl Lueger, Prefeito de Viena; por outro lado, o Império experimentava um regime parlamentar, sob a liderança da Social Democracia, com apoio dos marxistas, com tentativas de instituir reformas sociais.
Durante o reinado de Francisco José, que, aliás, durou 68 anos, foi mantido um estado policial, com censura rigorosa e universal, sobrando pouco espaço para ideias inovadoras.
Para nos atermos apenas à área médica, citamos os episódios ocorridos com Freud e com Semmelweis; este médico descobriu que as unhas sujas das parteiras e dos obstetras, poderiam estar causando infecção fatal nas mães e nos recém-nascidos, porém, não conseguiu divulgar sua descoberta, impedido pela classe médica da época, com conceitos arraigados em outras teorias.
Com Freud aconteceu algo semelhante: estava tentando introduzir novas ideias sobre o comportamento do psiquismo, porém, sua divulgação foi violentamente obstruída naquela memorável sessão da Sociedade Médica de Viena, cujo auditório vaiou e agrediu-o com palavras, quando ele tentava expor sua teoria a respeito do diagnóstico de histeria em pacientes do sexo masculino, como vimos no Capítulo anterior.
De todas as manifestações daquele trágico dia, provavelmente o que mais o sensibilizou, negativamente, foi a de Meynert, chefe do serviço de Clínica Psiquiátrica, com quem ele trabalhou por quase meio ano e de quem se aproximou e que, inclusive, influenciou-o na decisão de se tornar um especialista em Doenças do Sistema Nervoso.
as suas palavras foram cruéis para um jovem ainda inseguro com as suas idéias, Encontre, disse ele, “um único caso de histeria em homem em Viena e volte a falar para a nossa Sociedade”.
Meynert foi mais longe, proibiu-o de frequentar o laboratório de anatomia do cérebro e escreveu um artigo médico violento contra ele e, o pior, seus colegas pararam de enviar-lhe pacientes, com medo que ele discutisse com os mesmos, suas “vidas sexuais”, mesmo depois que ele enfrentou o desafio do antigo chefe Meynert e levou, novamente para discussão perante a Sociedade Médica (abril de 1886), um caso bem documentado de histeria no homem, tendo sido, então, aplaudido de pé.
Freud passou a viver “isolado”; no entanto, por esta época ele fez uma das suas grandes descobertas: O Complexo de Édipo “Cada criança tem um complexo com os seus pais”. Inicialmente ele especificou, exclusivamente, o complexo para o lado masculino “O homem criança compete com o pai no amor à mãe; cada criança, em certo período, é um pequeno Édipo”.
Não é preciso dizer que este seu enunciado aumentou a indignação da classe médica da época, porém, é necessário que se afirme que ainda existem, atualmente, algumas restrições a este conceito, por parte de alguns especialistas.
Felizmente Freud contava com um ombro amigo onde repousar e descarregar suas frustrações e suas ansiedades que era sua noiva Martha Bernays, filha de uma eminente família judia da Alemanha, com quem mantinha uma constante correspondência epistolar:
“Quando olho para a foto de você tão jovem, isto certamente mostra o quanto você é bela, muito bela e agora a sua expressão espiritual ilumina toda sua face. Digo que nenhuma fotografia vai fazer-lhe justiça”.
Comparando estas palavras com uma foto de Martha da mesma época (Sigmund Freud – His life in pictures and Words; Andre Deustsch Limt., London, 1976), onde se pode observar uma jovem de rosto sereno, sobrancelhas, inicialmente grossas no seu ápice interno e que se afinam, gradativamente, à medida que se aproximam da extremidade externa, olhos serenos, lábios finos; cabelos esticados para trás, encimado, quase que no centro da cabeça, por um arranjo semelhante a um coque formado por suas tranças.
Aparentava uma colegial, uma linda colegial!
“... Antes de encontrá-la eu não conhecia a maravilha de viver e agora você é minha e para tê-la, só para mim, é uma condição que fiz na minha vida...”
Quase que na véspera da sua apresentação na Sociedade Médica, Freud, otimista, escreveu-lhe:
“... Terça-feira dei uma conferência no Clube de Fisiologia, sobre hipnotismo: fui muito bem e aplaudido, no curso das próximas três semanas ainda farei outra conferência sobre minhas experiências, em Paris, na Associação Médica. De modo que a batalha de Viena está a pleno vapor, e se você estivesse aqui eu lhe diria, com um beijo, que não abandonei a esperança de chamá-la minha esposa dentro de seis meses...” (Correspondência de amor – Ed. Ernst Freud, Ed. Nova Fronteira, 1960)
Logo depois deste acontecimento, conferência na Sociedade Médica, Freud abriu seu consultório particular na Rathausstrasse no. 7.
O que lhe aconteceu daí para frente será motivo de discussão no próximo capítulo.

VIENA NO TEMPO DE SIGMUND FREUD


No final do século XIX, inicio do século XX, a cidade de Viena, capital do Império Austro-Húngaro era considerada uma das melhores cidades, no que diz respeito ao padrão de vida, de toda a Europa; poucas capitais de países europeus viveram apogeu semelhante, tanto no que diz respeito à vida social, econômica, arquitetural e nas artes, principalmente a música e a literatura, para não se falar na medicina.
Viena experimentou, naquela virada de século, um crescimento populacional extraordinário, saindo de mais ou menos 700.000 habitantes em 1880 para 2.100.000 em 1910; era considerada o centro médico do mundo,; muitas técnicas cirúrgicas que ainda hoje utilizamos no nosso dia-a-dia profissional foram idealizadas naquela época, destacando-se, para não alongarmos nas exemplificações, a técnica proposta e realizada pelo cirurgião e professor de cirurgia da Universidade de Viena, Theodor Billroth, em 1872, para cirurgia de estômago.
Um outro cirurgião de nome Mikulicz, assistente de Billroth, quase que na mesma época, fez, pela primeira vez, uma ressecção do reto em um paciente portador de câncer e, Wertheim, também contemporâneo de Billroth na mesma Universidade, fez a primeira cirurgia radical para tratamento do câncer de útero.
No entanto, ao falarmos em medicina, não podemos, jamais, deixar de mencionar a figura de Sigmund Freud, esta miraculosa luz que nasceu para clarear a obscuridade e vencer os preconceitos entranhados na sociedade daquela época, inclusive da classe médica a que ele pertencia.
É sobre este homem que gostaria de discutir com os leitores; tentarei, dentro da exiguidade do espaço jornalístico que me é oferecido, mostrar a evolução da sua vida familiar e de pesquisador, suas decepções e sua determinação, sua cultura humanística e intelectual.
Cada etapa da sua vida é como se fora um capítulo de um livro que tento elaborar mentalmente, embora a maioria das ações se entrelace, o personagem principal, o homem Freud, pela sua avassaladora onipresença, me permitirá delinear o enredo em capítulos, sem que o leitor se perca no emaranhado dos acontecimentos.
Freud nasceu na Morávia, território pertencente ao Império Austro-Húngaro, no ano de 1856 e, quatro anos depois, sua família mudou-se para Viena, onde ele viveu até a idade de 78 anos, quando foi obrigado a exilar-se na Inglaterra, para fugir da perseguição nazista.
Embora pertencendo a uma família judia, sempre foi avesso a qualquer religião, chegando, inclusive, a tornar-se um ateísta, porém, nunca perdeu sua identidade judia.
Formou-se em medicina pela Universidade de Viena em 1881 e, durante todo o curso, dirigiu seus estudos para a neuro-histologia do cérebro; em 1882 foi admitido no Hospital Geral de Viena, quando ficou noivo de Martha Bernays, sua futura esposa.
Em abril de 1884 começou a estudar a droga cocaína, tendo feito, inclusive, experimentos nele mesmo para observar os seus efeitos “revigorantes”,; publicou estes resultados em uma monografia, hoje uma obra clássica da literatura médica.
Experimentou a droga, também, no seu grande amigo Dr. Marxow, que se já debatia com o vicio da morfina, devido a um tumor doloroso na mão; infelizmente, para Freud, este médico veio a se tornar um viciado na droga e ele foi acusado por isto, principalmente porque, a partir de 1886, o vicio no uso da cocaína já estava se tornando comum na população.
No final do ano de 1885 conseguiu uma bolsa de estudos para estagiar durante alguns meses no hospital Salpêtriére de Paris, onde trabalhava o já famoso psiquiatra Jean-Martin Charcot, considerado o maior neuropatologista da época.
Analisando a correspondência que Freud trocou, naquela época, com a noiva Martha, fica difícil saber o que mais o impressionava naquela figura, se a forte personalidade, perante a platéia de assistentes e de pacientes, sua genialidade ou o professor com poder de comunicação extraordinário.
”Oh! que maravilha isto vai ser. Voltarei para Viena para curar muitos casos incuráveis de pessoas nervosas e iremos casar – The letters of Sigmund Freud, Ed.E.L. Freud, N ova York, 1960”.
Charcot era o médico da sociedade parisiense da época,; ele tornou-se conhecido por tratar a Deus e todo mundo de uma afecção que se tornou “chic”ser portador, era a chamada “colite nervosa”; as madames da sociedade que não a possuíam, gostariam de possuí-la.
Naquela época da visita de Freud, talvez por isto mesmo, ele decidiu conhecê-lo; Charcot estava muito envolvido com os estudos de uma forma muito comum de neurose da época – a histeria e o seu tratamento por uma nova modalidade terapêutica proposta por ele - a hipnose.
Porém, ao voltar, a grande decepção: ao expor, em 15 de outubro de 1886, perante a Sociedade Médica de Viena, as novas idéias que aprendera com Charcot, enfrentou enorme rejeição ao proferir a conferência – Histeria no homem; chegou a ser vaiado, principalmente porque era um conceito praticamente inaceitável pelo mundo científico da época, uma vez que, como o nome está dizendo (hístero=útero), esta problemática deveria ser exclusiva do sexo feminino.
Como Freud enfrentou esta situação será assunto do próximo capítulo.



DUAS MULHERES NA VIDA DE FREUD – II Parte

Lou Andréas Salomé
No artigo anterior abordamos, resumidamente, a participação de Marie Bonaparte na vida de Freud; discutiremos agora, dando sequência ao programado, o relacionamento do pai da psicanálise com a russa Lou Andréas Salomé.
Ela nasceu em São Petersburgo em 1861, justamente na época da emancipação dos servos na Rússia Czarista; nasceu sob a estrela da liberdade, costumava dizer; era filha de um General do exército russo que a deixou órfã quando tinha apenas 9 anos de idade.
A Rússia era um país atrasado, grosseiro e bárbaro, sob o ponto de vista do ocidente, porém, ela vivia em um mundo de encantamento, ignorando que havia pobreza ao seu lado.
Desde muito jovem mostrou ser uma garota diferente das demais, adotava como lema:
Não te enganes. A vida vai tratar-te mal. Portanto, se queres viver tua vida ,vai, e tome-a!
Aos 12 anos foi iniciada na Filosofia (estudou Kant), na literatura francesa e alemã (Descartes, Rousseau, Voltaire, Schiller, Ficthe e Schopenhauser).
Em 1888, matriculou-se na Universidade de Zurique, nos cursos de religião, teologia, filosofia e história da arte; era uma linda mulher: testa grande, cabelos louros, jogados para trás, olhos azuis, boca terna e sensual, queixo bem feito (fotos da época – Sigmund Freud, His Life in Pictures and words, Great Britain, 1978).
Doente, viajou para Roma, a procura de um clima quente, ali hospedou-se na casa de uma fervorosa defensora dos direitos da mulher; neste albergue conheceu o filósofo judeu Paul Rée que lhe deixou marcas profundas até o final da sua vida. Por intermédio de Paul ela conheceu Nietzsche e, como consequência, aconteceu algo inacreditável, se levarmos em consideração a época da ocorrência: Foram morar juntos com a intenção de facilitar as discussões filosóficas; os dois pediram-lhe em casamento, porém, ela recusou a ambos, queria continuar livre e mante-los, simplesmente, como amigos; desgostoso Paul cometeu suicídio, afogando-se em um rio, alguns anos depois da separação.
Em 1897, já casada com um professor universitário de sobrenome Andreas, viajou a Munique onde conheceu a figura que dominou sua vida por longo período, o famoso poeta Austríaco Rainer Maria Rilke, então com 22 anos de idade; o inusitado da questão é que Rilke freqüentava a sua casa em Berlim, mesmo com a presença do marido.
Naquela época Lou já era escritora respeitada pela crítica, principalmente após a publicação de uma seleção de contos, intitulada “Na zona do crepúsculo”, com grande relevo aos temas da pulsão sexual.
Depois de lançar o seu livro com maior densidade psicológica “O erotismo”, sentiu irremediável atração para o assunto que começava a ser discutido, a Psicanálise.
Em setembro de 1911 ela participou do congresso da Associação Psicanalítica Internacional, cujo presidente era Jung, onde se aproximou de Freud, tendo conseguindo, inclusive, sua autorização para frequentar por seis meses, seu famoso curso das 4ª. feiras.
Sua presença naquelas sessões foi marcante; no inicio Freud ,como ele mesmo salienta, (Freud, A life for our time. Peter Gay, USA, 1978) não acreditou muito naquele repentino interesse, porém, à medida que ela passava a participar das discussões e, principalmente, provocá-las, chegou à conclusão que não se tratava, simplesmente, de uma bela mulher, mas sim de uma mente aguçada e sobretudo de uma personalidade avassaladora.
A partir deste acontecimento o relacionamento entre os dois se aprofundou; quando não se encontravam nos congressos da especialidade, trocaram correspondência com inacreditável frequência, por mais de 25 anos (Freud/Lou Andréas, correspondência completa, Ed. Imago, Rio de Janeiro, 1975).
Quando Freud rompeu com três dos seus mais importantes discípulos, Steikel, Adler e Jung, Lou não hesitou, um momento sequer, em tomar o seu partido e com ele ficou até a sua morte em 1937.
Uma pálida prova do fascínio que Lou Andréas exerceu sobre Freud nos é dada por estas duas cartas que ele lhe enviou “Viena, 10/11/1912...Senti sua falta na conferência de ontem...Adotei o mau hábito de sempre dirigir minha palestra a um membro definido do auditório e ontem fixei meu olhar, como se estivesse enfeitiçado, no lugar que lhe havia sido reservado” e “Viena, 2/3/1913...Senti imensamente que a senhora não estivesse presente à minha palestra de sábado. Fiquei privado do meu ponto de fixação e falei vagamente. Felizmente era a ultima conferência...A senhora estraga pessoas como eu...”.
Anais Nin, famosa escritora francesa, prefaciando o livro “Lou, minha irmã” (H.F. Peters, Ed. Zahar, Rio de Janeiro, 1986), escreveu:
“Como é possível a uma mulher bela, inteligente, criativa, original, relacionar-se com homens de gênio sem ser dominada por eles? Casou-se e levou vida de solteira, amou homens tanto mais velhos quanto mais novos, Nietzsche reconheceu ter escrito Zaratusta por inspiração dela. A síntese da sua vida pode ser resumida na frase de sua autoria: “A vida humana – na verdade, toda a vida – é poesia”.
Uma mulher capaz de inspirar estes versos de Rainer Maria Rilke, não pode ter sido uma mulher comum

Arranca-me os olhos, e ainda te poderei ver/.Arranca-me os tímpanos, e ainda te poderei ouvir./ Sem pés, ainda poderei caminhar para ti./ Sem língua, poderei invocar-te a qualquer hora./ Arranca-me os braços, poderei abraçar-te, e agarrar-te com o coração, como se a mão fosse./ Pára meu coração e meu cérebro baterá com a mesma fidelidade./
E se meu cérebro incendiares,/ Então em meu sangue te carregarei!