BAÚ LITERÁRIO

Tratam-se de textos ( resumos de ensaios) que são publicados a cada 15 dias no suplemento literário da Academia Goiana de Letras ( encarte do jornal Diário da Manhã de Goiânia)

quarta-feira, 7 de julho de 2010

BERGGASSE, 19 – VIENA – CONSULTÓRIO DE FREUD – VII

O período compreendido entre o final do século XIX e inicio do século XX foi o divisor de águas na história do mundo; a Rainha Vitoria ainda reinava na Inglaterra; a Alemanha Imperial, governada pelo todo poderoso Kaiser Guilherme II, começava a exigir maior respeito às suas posições; na Rússia Imperial o Czar Nicolau II estava iniciando seu reinado que, como sabemos, teve epílogo sangrento.
A Áustria-Hungria, com o Império dos Habsburgos, dominava, há muitos séculos, grande parte da Europa Central e Oriental; o Império Otomano, a partir de Constantinopla, com seu regime de Sultões, era soberano no que hoje chamamos de Oriente Médio e a África e a Ásia eram governadas por alguns países da Europa; os Estados Unidos era, ainda, o gigante adormecido.
A Europa era o centro do mundo!
Analisando, agora à distância, podia se perceber que a aparente tranquilidade no solo Austríaco, escondia ou pelo menos procrastinava um grave acontecimento que seria o inevitável conflito armado, tendo em vista o advento do nacionalismo, o consequente inicio do armamento das nações e a explosiva rivalidade anglo-germânica.
Freud, como um dos habitantes de Viena, provavelmente não tinha este pressentimento, ou pelo menos não se ocupava com tais assuntos, pois, continuava sua vida indiferente a estas possíveis conturbações políticas; consultando grande volume de correspondência desta época que ele costumeiramente trocava com vários interlocutores, inclusive, com a sua noiva e depois esposa, não consegui perceber, mesmo nas entrelinhas, qualquer sinal de preocupação, mesmo porque Freud era objetivo na definição dos assuntos, com pouco espaço para devaneios.
Em carta que enviou em 12.6.1900 para seu amigo Fliess ele sai um pouco desta linha de sobriedade, até para confirmar o que dissemos acima sobre o seu estado de espírito, e fala da sua alegria de estar em uma casa de campo em Wienerwald “... A vida em Bellevue está se desenvolvendo de forma muito agradável para todos nós. As noites e manhãs são lindas; o aroma da acácia sucedeu ao do lilás, as rosas selvagens estão em flor...” ( Correspondência – 1873-1939, Ed. Nova Fronteira, 1982).
Sua vida profissional e doméstica era estável, assim como seus projetos científicos, pois havia publicado vários trabalhos, dentre eles os que tratavam da histeria, das obsessões e fobias e da ansiedade e neurose.
Desde setembro de 1891 a família Freud vivia em novo endereço – Berggasse 19, Viena, em um apartamento de dois andares, sendo no térreo o seu consultório e no andar superior o da família propriamente dito; aliás, é necessário que se diga que ele viveu ali por quase meio século, só saindo quando a Áustria foi ocupada pelos nazistas em junho de 1938, asilando-se na Inglaterra.
Quando ele veio para este endereço era apenas um jovem neurologista com ideias não ortodoxas e com o futuro para ser feito, quando saiu era famoso no mundo inteiro e, principalmente, fundador de uma nova ciência.
Entre as paredes do seu apartamento ele escreveu a maioria dos seus livros, analisou a maioria dos seus pacientes, incluindo a histórica auto-análise; ali ele organizou sua biblioteca, colecionou artes, criou seus filhos e conduziu uma volumosa correspondência discutindo suas ideias e, principalmente, sustentou, com a sua liderança, o embrionário movimento psicanalítico mundial.
Hoje sua casa é um museu e, uma simples placa colocada na entrada, alerta o visitante: “Sigmund Freud viveu e trabalhou aqui”; indicativo muito modesto para alguém que fez uma decisiva descoberta na história da humanidade; não seria exagero cognominá-lo de o “Cristóvão Colombo da mente”.
Confesso, com sinceridade, foi um dos momentos de grande emoção a visita que fiz, na década de 1980 à Berggasse 19, local onde morou Freud, situado nas imediações da Universidade de Viena; havia chovido pela manhã, o calçamento de pedra ainda estava molhado e o dia estava um pouco escuro, transmitindo tristeza para o olhar do turista.
As bandeiras nazistas, felizmente, não mais tremulavam na sua fachada, como mostram fotografias feitas em 1938 pelo fotografo Edmund Engelman (Berggasse 19, Basic books, inc. New York, 1976).
A fachada do edifício é no estilo renascentista; após a porta de entrada, surge um corredor pouco iluminado, terminando com o inicio de uma escada que dá acesso aos andares superiores, inclusive ao apartamento-consultório de Freud.
A mesma surpresa que sentimos ao visitar seu consultório acredito que os seus antigos pacientes devem ter sentido: parece que aquela profusão de coisas espalhadas por todo canto, tais como livros, pinturas, tapetes, esculturas e estatuetas (grande quantidade) emparelhadas umas ao lado das outras, algumas fotografias “escondendo um livro”, enfim, provavelmente nem Freud poderia explicar a razão de ter sido colocado um pequeno espelho dependurado na janela (teria sido um presente e não havia mais espaço onde colocá-lo?)
Era, realmente, um museu de antiguidades; para onde se olhasse, evocar-se-ia a ideia do passado; objetos vindos do Egito, Grécia, Roma e do Oriente, consentâneo com a idéia (dele) de que o paciente que o procurasse, estava tentando redescobrir suas origens e reacender as cinzas da sua história.
A peça mais emocionante é o “console” onde o paciente se deitava confortavelmente; a cabeça escorada por travesseiros e Freud ficaria sentado em uma poltrona na cabeceira, fora da visão do paciente.
O consultório de Freud é a síntese de mais uma das suas costumeiras metáforas, o ponto de aproximação do psicanalista com o arqueologista, porém, este é assunto para nosso próximo capítulo.



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