BAÚ LITERÁRIO

Tratam-se de textos ( resumos de ensaios) que são publicados a cada 15 dias no suplemento literário da Academia Goiana de Letras ( encarte do jornal Diário da Manhã de Goiânia)

quarta-feira, 7 de julho de 2010

DUAS MULHERES NA VIDA DE FREUD – II Parte

Lou Andréas Salomé
No artigo anterior abordamos, resumidamente, a participação de Marie Bonaparte na vida de Freud; discutiremos agora, dando sequência ao programado, o relacionamento do pai da psicanálise com a russa Lou Andréas Salomé.
Ela nasceu em São Petersburgo em 1861, justamente na época da emancipação dos servos na Rússia Czarista; nasceu sob a estrela da liberdade, costumava dizer; era filha de um General do exército russo que a deixou órfã quando tinha apenas 9 anos de idade.
A Rússia era um país atrasado, grosseiro e bárbaro, sob o ponto de vista do ocidente, porém, ela vivia em um mundo de encantamento, ignorando que havia pobreza ao seu lado.
Desde muito jovem mostrou ser uma garota diferente das demais, adotava como lema:
Não te enganes. A vida vai tratar-te mal. Portanto, se queres viver tua vida ,vai, e tome-a!
Aos 12 anos foi iniciada na Filosofia (estudou Kant), na literatura francesa e alemã (Descartes, Rousseau, Voltaire, Schiller, Ficthe e Schopenhauser).
Em 1888, matriculou-se na Universidade de Zurique, nos cursos de religião, teologia, filosofia e história da arte; era uma linda mulher: testa grande, cabelos louros, jogados para trás, olhos azuis, boca terna e sensual, queixo bem feito (fotos da época – Sigmund Freud, His Life in Pictures and words, Great Britain, 1978).
Doente, viajou para Roma, a procura de um clima quente, ali hospedou-se na casa de uma fervorosa defensora dos direitos da mulher; neste albergue conheceu o filósofo judeu Paul Rée que lhe deixou marcas profundas até o final da sua vida. Por intermédio de Paul ela conheceu Nietzsche e, como consequência, aconteceu algo inacreditável, se levarmos em consideração a época da ocorrência: Foram morar juntos com a intenção de facilitar as discussões filosóficas; os dois pediram-lhe em casamento, porém, ela recusou a ambos, queria continuar livre e mante-los, simplesmente, como amigos; desgostoso Paul cometeu suicídio, afogando-se em um rio, alguns anos depois da separação.
Em 1897, já casada com um professor universitário de sobrenome Andreas, viajou a Munique onde conheceu a figura que dominou sua vida por longo período, o famoso poeta Austríaco Rainer Maria Rilke, então com 22 anos de idade; o inusitado da questão é que Rilke freqüentava a sua casa em Berlim, mesmo com a presença do marido.
Naquela época Lou já era escritora respeitada pela crítica, principalmente após a publicação de uma seleção de contos, intitulada “Na zona do crepúsculo”, com grande relevo aos temas da pulsão sexual.
Depois de lançar o seu livro com maior densidade psicológica “O erotismo”, sentiu irremediável atração para o assunto que começava a ser discutido, a Psicanálise.
Em setembro de 1911 ela participou do congresso da Associação Psicanalítica Internacional, cujo presidente era Jung, onde se aproximou de Freud, tendo conseguindo, inclusive, sua autorização para frequentar por seis meses, seu famoso curso das 4ª. feiras.
Sua presença naquelas sessões foi marcante; no inicio Freud ,como ele mesmo salienta, (Freud, A life for our time. Peter Gay, USA, 1978) não acreditou muito naquele repentino interesse, porém, à medida que ela passava a participar das discussões e, principalmente, provocá-las, chegou à conclusão que não se tratava, simplesmente, de uma bela mulher, mas sim de uma mente aguçada e sobretudo de uma personalidade avassaladora.
A partir deste acontecimento o relacionamento entre os dois se aprofundou; quando não se encontravam nos congressos da especialidade, trocaram correspondência com inacreditável frequência, por mais de 25 anos (Freud/Lou Andréas, correspondência completa, Ed. Imago, Rio de Janeiro, 1975).
Quando Freud rompeu com três dos seus mais importantes discípulos, Steikel, Adler e Jung, Lou não hesitou, um momento sequer, em tomar o seu partido e com ele ficou até a sua morte em 1937.
Uma pálida prova do fascínio que Lou Andréas exerceu sobre Freud nos é dada por estas duas cartas que ele lhe enviou “Viena, 10/11/1912...Senti sua falta na conferência de ontem...Adotei o mau hábito de sempre dirigir minha palestra a um membro definido do auditório e ontem fixei meu olhar, como se estivesse enfeitiçado, no lugar que lhe havia sido reservado” e “Viena, 2/3/1913...Senti imensamente que a senhora não estivesse presente à minha palestra de sábado. Fiquei privado do meu ponto de fixação e falei vagamente. Felizmente era a ultima conferência...A senhora estraga pessoas como eu...”.
Anais Nin, famosa escritora francesa, prefaciando o livro “Lou, minha irmã” (H.F. Peters, Ed. Zahar, Rio de Janeiro, 1986), escreveu:
“Como é possível a uma mulher bela, inteligente, criativa, original, relacionar-se com homens de gênio sem ser dominada por eles? Casou-se e levou vida de solteira, amou homens tanto mais velhos quanto mais novos, Nietzsche reconheceu ter escrito Zaratusta por inspiração dela. A síntese da sua vida pode ser resumida na frase de sua autoria: “A vida humana – na verdade, toda a vida – é poesia”.
Uma mulher capaz de inspirar estes versos de Rainer Maria Rilke, não pode ter sido uma mulher comum

Arranca-me os olhos, e ainda te poderei ver/.Arranca-me os tímpanos, e ainda te poderei ouvir./ Sem pés, ainda poderei caminhar para ti./ Sem língua, poderei invocar-te a qualquer hora./ Arranca-me os braços, poderei abraçar-te, e agarrar-te com o coração, como se a mão fosse./ Pára meu coração e meu cérebro baterá com a mesma fidelidade./
E se meu cérebro incendiares,/ Então em meu sangue te carregarei!

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