A CERIMÔNIA DO ADEUS NA LITERATURA
Cada escritor, na sua
luta para encontrar a sintonia das palavras com o ambiente que está descrevendo
nas suas resenhas literárias (romance, crônica ou conto), muitas vezes veste a
roupa do personagem e finge que mantém a necessária equidistância do narrador.
Se a cena descreve a
despedida de dois apaixonados, a dificuldade pode ser maior pela necessidade de
se fugir da pieguice ingênua ou do diálogo que não transmite a emoção
necessária e desejada pelo autor; ambas as situações poderão comprometer todo o
trabalho literário.
Transcrevo,
a seguir, trecho de um livro (Diário de Moscou – Walter Benjamim - Cia. das
Letras, 1989), onde esta temática
esteve presente, pois o autor narra um destes momentos, com maestria e,
sobretudo, enorme carga emocional.
Para que os leitores possam
sentir todo o arrebatamento da cena, permito-me tecer, em rápidas palavras,
algumas considerações sobre o citado livro.
Walter Benjamim, filósofo,
escritor e ensaísta alemão empreendeu em 1926, uma viagem à Moscou, com três
finalidades: reencontrar um grande amor, uma jovem letã de Riga de nome Asja
Lacis, atriz de teatro e revolucionária comunista, que ele conhecera em Capri
em 1924; em segundo lugar estudar a situação política, social e literária da
Rússia pós 1917, já sob a tutela de Stalin e, finalmente, cumprir compromissos
literários com uma revista alemã que custeou sua viagem (escrever sobre a vida
na Rússia).
O segundo objetivo deixou
marcas profundas na sua sensibilidade, pois ele teve amargas decepções com a
realidade local, principalmente se levarmos em consideração as expectativas
otimistas que o animaram a fazer a viagem.
Paulatinamente, a
leitura do livro vai mostrando, página após página, que Benjamim perdia todas
as ilusões que havia nutrido por vários anos de militância no movimento
esquerdista; a decepção da experiência levou-o, mais tarde, a desistir da sua
possível filiação ao Partido Comunista Alemão, projeto que analisava há mais de
dois anos.
O terceiro objetivo,
felizmente para a literatura, foi cumprido; nada menos que quatro publicações e
um extraordinário ensaio, que ele denominou “Moscou”, foram publicados a partir
de 1927.
Não resta dúvida que a figura
de Asja Lacis domina as páginas do livro, embora fosse a razão principal
daquela sua viagem, o relacionamento entre os dois foi muito difícil e
problemático; ao lado da atração erótica, ela exercia sobre ele uma enorme
influência intelectual.
Para agravar a situação, Asja
encontrava-se doente e hospitalizada em um sanatório; o tempo que conseguem
ficar juntos, o fazem, em grande parte, no quarto dela no hospital.
Está relatado, com cruel
exatidão, o tempo que ele espera, em vão, por Asja; sua repulsa, até com certa
dose de cinismo erótico, aos acontecimentos que ele não conseguia dominar.
Depois de “suportar” por
pouco mais de 30 dias esta pressão, ele resolveu partir; a cena da despedida, que transcrevo abaixo, é uma das mais belas
da literatura; embora fosse real, qualquer romancista a copiaria em uma grande
obra de ficção; sugiro ao leitor que imagine a cena ocorrendo em uma rua
deserta de Moscou coberta de neve, vento gelado congelando a voz da despedida e
o aceno que ia desaparecendo à medida que empalidecia a claridade do crepúsculo
e o trenó se distanciava.
“Finalmente, como só restavam
poucos minutos, minha voz começou a falhar e Asja notou que eu estava chorando.
Então ela disse: “Não chore, senão vou acabar chorando também e uma vez quando
começo, não consigo parar tão facilmente, como você”. Abraçamo-nos com força e
saí do quarto com minha mala. Asja seguiu-me; pedi-lhe em seguida que chamasse
um trenó. Mas quando eu estava para subir, tendo já me despedido dela mais uma
vez, convidei-a para ir comigo até a esquina da Tverskaia. Lá ela desceu e,
quando o trenó já estava começando a andar novamente, puxei de novo sua mão
para os meus lábios, no meio da rua. Ficou lá, durante muito tempo, acenando.
Acenei de volta, do trenó. Primeiro, pareceu-me que ela olhava para trás
enquanto andava, depois não a vi mais. Com a enorme mala no colo, chorando
pelas ruas já sob a luz do crepúsculo, continuei até a estação ferroviária”.