BAÚ LITERÁRIO

Tratam-se de textos ( resumos de ensaios) que são publicados a cada 15 dias no suplemento literário da Academia Goiana de Letras ( encarte do jornal Diário da Manhã de Goiânia)

terça-feira, 12 de março de 2013

A CERIMÔNIA DO ADEUS NA LITERATURA


 

 

 
 

                        Cada escritor, na sua luta para encontrar a sintonia das palavras com o ambiente que está descrevendo nas suas resenhas literárias (romance, crônica ou conto), muitas vezes veste a roupa do personagem e finge que mantém a necessária equidistância do narrador.
                         Se a cena descreve a despedida de dois apaixonados, a dificuldade pode ser maior pela necessidade de se fugir da pieguice ingênua ou do diálogo que não transmite a emoção necessária e desejada pelo autor; ambas as situações poderão comprometer todo o trabalho literário.
                   Transcrevo, a seguir, trecho de um livro (Diário de Moscou – Walter Benjamim - Cia. das Letras, 1989),   onde esta temática esteve presente, pois o autor narra um destes momentos, com maestria e, sobretudo, enorme carga emocional.
                   Para que os leitores possam sentir todo o arrebatamento da cena, permito-me tecer, em rápidas palavras, algumas considerações sobre o citado livro.
                   Walter Benjamim, filósofo, escritor e ensaísta alemão empreendeu em 1926, uma viagem à Moscou, com três finalidades: reencontrar um grande amor, uma jovem letã de Riga de nome Asja Lacis, atriz de teatro e revolucionária comunista, que ele conhecera em Capri em 1924; em segundo lugar estudar a situação política, social e literária da Rússia pós 1917, já sob a tutela de Stalin e, finalmente, cumprir compromissos literários com uma revista alemã que custeou sua viagem (escrever sobre a vida na Rússia).
                   O segundo objetivo deixou marcas profundas na sua sensibilidade, pois ele teve amargas decepções com a realidade local, principalmente se levarmos em consideração as expectativas otimistas que o animaram a fazer a viagem.
                        Paulatinamente, a leitura do livro vai mostrando, página após página, que Benjamim perdia todas as ilusões que havia nutrido por vários anos de militância no movimento esquerdista; a decepção da experiência levou-o, mais tarde, a desistir da sua possível filiação ao Partido Comunista Alemão, projeto que analisava há mais de dois anos.
                   O terceiro objetivo, felizmente para a literatura, foi cumprido; nada menos que quatro publicações e um extraordinário ensaio, que ele denominou “Moscou”, foram publicados a partir de 1927.
                   Não resta dúvida que a figura de Asja Lacis domina as páginas do livro, embora fosse a razão principal daquela sua viagem, o relacionamento entre os dois foi muito difícil e problemático; ao lado da atração erótica, ela exercia sobre ele uma enorme influência intelectual.
                   Para agravar a situação, Asja encontrava-se doente e hospitalizada em um sanatório; o tempo que conseguem ficar juntos, o fazem, em grande parte, no quarto dela no hospital.
                   Está relatado, com cruel exatidão, o tempo que ele espera, em vão, por Asja; sua repulsa, até com certa dose de cinismo erótico, aos acontecimentos que ele não conseguia dominar.
                   Depois de “suportar” por pouco mais de 30 dias esta pressão, ele resolveu partir; a cena da despedida, que transcrevo abaixo, é uma das mais belas da literatura; embora fosse real, qualquer romancista a copiaria em uma grande obra de ficção; sugiro ao leitor que imagine a cena ocorrendo em uma rua deserta de Moscou coberta de neve, vento gelado congelando a voz da despedida e o aceno que ia desaparecendo à medida que empalidecia a claridade do crepúsculo e o trenó se distanciava. 
                   “Finalmente, como só restavam poucos minutos, minha voz começou a falhar e Asja notou que eu estava chorando. Então ela disse: “Não chore, senão vou acabar chorando também e uma vez quando começo, não consigo parar tão facilmente, como você”. Abraçamo-nos com força e saí do quarto com minha mala. Asja seguiu-me; pedi-lhe em seguida que chamasse um trenó. Mas quando eu estava para subir, tendo já me despedido dela mais uma vez, convidei-a para ir comigo até a esquina da Tverskaia. Lá ela desceu e, quando o trenó já estava começando a andar novamente, puxei de novo sua mão para os meus lábios, no meio da rua. Ficou lá, durante muito tempo, acenando. Acenei de volta, do trenó. Primeiro, pareceu-me que ela olhava para trás enquanto andava, depois não a vi mais. Com a enorme mala no colo, chorando pelas ruas já sob a luz do crepúsculo, continuei até a estação ferroviária”.
 
 

terça-feira, 9 de outubro de 2012

SEMANA DE ARTE MODERNA- 13 a 18 DE FEVEREIRO DE 1922

 

               Provavelmente nem os seus idealizadores, conhecidos como o “grupo dos cinco” (Mario e Oswald de Andrade, Menotti Del Picchia, Tarsila do Amaral e Anita Malfatti) e, tampouco o público que lotou as dependências do teatro Municipal de São Paulo naquela noite de 13 de fevereiro de 1922, poderiam imaginar que aquela solenidade teria a repercussão que teve, transformando-se em um marco histórico para a cultura de São Paulo e, por extensão, do Brasil.

               Se fizermos uma retrospectiva histórica, podemos considerar que aquele movimento, semana de arte moderna, ocorreu com alguma defasagem no tempo, senão vejamos: Desde o século XVIII, com Voltaire (heresia anticlerical) e os Iluministas, com idéias que batiam de frente com o modus vivendi, acentuando-se a partir da metade do século XIX, a vanguarda cultural européia já estava envolvida e, principalmente, discutindo o termo modernismo e os seus desdobramentos.

               Embora, ainda hoje, seja difícil definir o que seja esta expressão, ela era utilizada para todo tipo de inovação ou originalidade em qualquer das manifestações das artes, como a pintura, escultura, poesia, prosa, dança, música, arquitetura, teatro e o cinema.

               Os adeptos desta nova corrente eram contra a moderação, por considerá-la uma atitude burguesa e tinham como axioma algumas afirmações consensuais: Melhor que o conhecido era o desconhecido, melhor que o comum é o raro, o experimental é mais atraente que o rotineiro.

               Peter Gay (Modernismo- o fascínio da heresia, Cia. das Letras, 2009) nomina Charles Baudelaire como o primeiro herói do modernismo; com a publicação de seu livro de poemas intitulado, Flores do mal, ele foi parar na Corte de justiça e obrigado a retirar daquela edição alguns poemas considerados obscenos.

               Pela mesma época, outro romancista, Gustave Flaubert, também sofreu processo por supostas obscenidades contidas no seu livro Madame Bovary; o que os juízes não perceberam ou, pelo menos, não discutiram, foi a fúria antiburguesa do autor, levando-o, inclusive, à incapacidade de descrever os personagens (burgueses) com isenção de ânimo.

               Era o pensamento consentâneo com a onda modernista; a aversão ao burguês e ao conservadorismo era tão extremada em Flaubert que ainda hoje assustamos com o tratamento dado à sua personagem Madame Bovary, dissecando-a como faria um cirurgião (J.Lemot, Gustave Flaubert dissecando Madame Bovary – Parodie “gravuras”, 1869).

               Na pintura deve ser destacada a figura de Manet com a tela Olympia, cuja mulher nua, em posição desafiadora, chocava o público não acostumado com o realismo.

               Se quiséssemos definir um período para situar o auge das idéias modernistas, poderíamos, sem medo de errar, indicar as quatro décadas compreendidas entre os anos de 1880-1920 (dadaísmo, cubismo, impressionismo, romances realistas, onde os romancistas passaram a investigar o sentimento dos personagens).  

               Voltando à nossa discussão sobre os acontecimentos no Brasil, quando focamos a sua origem na conjunção de esforços daquele chamado “grupo dos cinco”, chama-nos a atenção dois fatos: as figuras de Oswald e Mario de Andrade, realmente os articuladores do movimento e o momento da realização do evento, após o término da primeira guerra mundial, quando uma onda de patriotismo assolava a Europa, extrapolando as suas fronteiras (A Semana de 22: Revolução Estética? - Márcia Camargos, Cia. Ed. Nacional, 2007).

               Como aconteceu no passado (Flaubert, Picasso, Dali e outros, ficaram ricos à custa dos burgueses que eles combatiam, porém, compravam suas produções), os nossos modernistas contaram com a ajuda dos burgueses para poderem realizar a semana (Paulo Prado e Olivia Guedes Penteado, dentre outros) que garantiram o aluguel do Teatro Municipal de São Paulo e no final pagaram o prejuízo.

               Na noite de estréia o auditório estava lotado, com a  aristocracia toda engalanada, trajando fraque e cartola, inclusive o Governador do Estado de São Paulo, Washington Luiz e o Prefeito; coube a Graça Aranha fazer a conferência de estréia, “A emoção estética da arte moderna”.

               Texto monótono e interminável, provavelmente de propósito, baseado no mesmo diapasão: “Daqui a pouco, junto com outros disparates, uma poesia liberta, uma música extravagante, virão revoltar os movidos pela força do passado”; depois se apresentou Villa-Lobos, usando chinelos; Menotti Del Picchia foi vaiado e Oswald de Andrade recebeu uma saraivada de batatas oriunda dos estudantes.

               O curioso, como acentua a jornalista e escritora Márcia Campos (citada acima), “um evento ignorado pelo grande público, criticado pela maioria da imprensa e tido como gozação pelos organizadores, acabou transformando-se em um marco histórico da cultura brasileira”.

               Ainda hoje a semana de 22 continua emblemática no imaginário das letras e das artes plásticas.

 

 

 

quarta-feira, 7 de julho de 2010

FREUD ESCANDALIZA VIENA

A partir do momento que Freud deixou que seus pacientes, livremente, associassem suas idéias e seus pensamentos, seria inevitável que estes lhes contassem seus sonhos; ele mesmo tinha interesse pelos seus próprios, muito antes de saber compreendê-los.
Freud disse que o sonho funciona como se fora uma miniatura de modelo de neurose, porém, para interpretar e analisar aqueles casos em que estes, aparentemente, escondem esta neurose, precisará recorrer aos símbolos que foram propostos por ele; a energia emocional provocada pela doença se esconde no inconsciente do indivíduo e o consciente funciona como uma barreira que não permite que se aflore a realidade.
Ao descrever um dos seus próprios sonhos: “A injeção de Irma”, Freud não o fez por completo, pois ele percebeu que a discrição (não deixa de ser uma barreira do consciente) não lhe permitia que revelasse seus pensamentos mais íntimos para o publico; ele foi até o suficiente para que possamos compreender que assuntos que envolviam sua própria mulher poderiam provocar suscetibilidades desnecessárias.
É necessário realçar que Freud, ao analisar os sonhos, não estava interessado somente em mentes doentes, como se poderia supor.
Esta descoberta mudou a imagem que tínhamos da mente humana; as neuroses não são simplesmente anomalias, porém são, também, outra maneira de funcionamento da mente; por outro lado, a análise da neurose permite o acesso a compartimentos escondidos na mente que não estão, normalmente, abertas para a inspeção.
A partir destes estudos Freud dividiu a mente em duas partes: a pré-consciência, que contém todas as idéias e memórias capazes de tornarem-se conscientes, e a inconsciência, que é feita de desejos, na maioria das vezes sexual.
Por volta de 1905, Freud publicou os “Três ensaios sobre a teoria da sexualidade”, que era um complemento dos seus artigos sobre a “Teoria da sedução” escritos entre 1895-97, escandalizando a sociedade de Viena, inclusive a médica, uma vez que ele colocou o sexo não apenas na esfera orgânica, mas também, no domínio do psíquico.
Na verdade, o que causava maior escândalo, era a abolição que ele fez da fronteira entre o normal e o patológico, que queria dizer, com outras palavras: somos todos, de alguma maneira, portadores de algum tipo de distúrbio psíquico;falta apenas o diagnóstico.
A histeria não se origina de taras hereditárias nem acidentes orgânicos e sim de acontecimentos banais na vida das pessoas e qualquer um pode sucumbir a ela.
As perversões mais repugnantes e mais contrárias à moral devem ser vistas como sobrevivência da sexualidade infantil, abolindo, com este enunciado, a última fronteira – a inocência da criança!
É a introdução da esfera sexual na vida cotidiana das pessoas, ainda que de maneira reprimida pelo inconsciente, que o público reprovou e se recusou a aceitar.
Se ouvirmos o escritor austríaco Stefan Zweig, cujos anos de adolescência coincidem com a época em que Freud começou a falar sobre suas descobertas (1893 em diante) iremos entender a razão desta “revolta” da população.
Ouçamos Zweig: “Havia um espesso manto de silêncio que encobria a questão do sexo, cujo assunto ninguém ousava tratar abertamente, quer na vida diária, quer na literatura; como exemplo o romance Madame Bovary do escritor Flaubert foi proibido na França.
A ambiguidade da moda que, a pretexto de dissimular as formas do corpo feminino, fazia ressaltar de maneira provocante, gerando efeito contrário ao desejado, tornando os seios mais exuberantes pelo artifício do corpete.
A duplicidade desta moral que assexuava na superfície para estimular em segredo, a convenção definia que o homem deveria possuir instintos, porém, não havia um reconhecimento sincero deste direito para as mulheres, pois, diziam, a natureza feminina não é dotada de desejo sexual, até que um homem o desperte nela – apud Freud, pensador da cultura; Renato Mezan; Cia das Letras, 2005”.
Na verdade Zweig estava, simplesmente, repetindo os mandamentos da moral emanados da era Vitoriana.
Todas as vezes que voltei a Viena fiquei sempre envolvido com os seus famosos cafés nas calçadas, suas confeitarias, casas de vinho, o romantismo que o rio Danúbio impregnou, desde sempre, em nossas lembranças mais antigas e, também, com a figura e a “presença” de Mozart; porém, nunca desaparece a impressão de que esta cidade foi, um dia, Imperial.
Sua localização, nas imediações dos Alpes, obriga-nos a pensar alto: Viena não perdeu sua grandeza, ela apenas perdeu seu Império; a lembrança de Sissy,a Imperatriz dos Habsburgo, representa para nós a fantasia da sua existência e para o historiador a memória da Áustria antiga.
Ao pararmos em frente à “Ópera Royal”, o primeiro edifício público construído na Ringstrasse em 1869, portanto, quando Freud completava 13 anos de idade, somos obrigados a pensar na população que a frequentava e, principalmente, sobre seus costumes.
Com certeza esta população não estava preparada para entender e aceitar que Freud estava mudando a visão convencional sobre sexo e perversão; que os objetivos do prazer e procriação, nem sempre coincidem; sexo e aparelho genital são duas coisas completamente diferentes; o prazer sexual pode ser obtido de qualquer uma das partes do corpo, pois, sexualidade nem sempre está relacionada à atividade dos órgãos genitais.
Freud foi mais longe ao dizer: A história sexual do individuo inicia-se com o seu nascimento!
Por quê? Veremos no próximo capítulo.

FREUD ENUNCIA O COMPLEXO DE ÉDIPO

Como vimos no capítulo anterior, parece-nos que Freud, depois que se mudou para a sua casa-consultório na Berggasse 19, passou a viver somente em função do desenvolvimento da nova ciência que criara, a psicanálise.
Não estamos afirmando que ele se descuidava dos deveres para com os amigos e a família; pelo contrário, ele era muito amoroso com a esposa e principalmente com os filhos, como atesta esta carta que enviou ao amigo Fliess, a respeito da sua primeira filha Mathilde “... A vida vai em frente, quando nossa pequena Mathilde brinca, nós pensamos que isto é a coisa mais maravilhosa que poderia acontecer para nós – maio de 1888”; e, na fotografia feita no jardim da sua casa em 1898, aparece Freud, sua esposa Martha, sua cunhada Mirna (que mais tarde passaria a morar com eles), e mais cinco filhos (Sigmund Freud- His Life in Pictures, André Deutsch, 1978, London).
Vejo a cidade de Viena, disse ele por esta época, “com os olhos de um pintor: objeto de pura visão, mais eis que se eleva o vento noturno e o terrível segredo que se esconde sob a imagem visual, pulsa a vida”.
Seu consultório, em aparente desalinho, como afirmamos anteriormente, é consentâneo com as suas idéias, pois, as figuras mitológicas e as advindas de escavações de ruínas arqueológicas, espalhadas por todos os cantos, consubstanciam uma das metáforas preferidas de Freud: “o psicanalista vai clareando o caminho, analisando camada por camada, todo o material psicológico e patogênico, similar com o que acontece com as técnicas de escavações de ruínas à procura de peças de uma cidade destruída, à procura do encontro com o passado.
Como o arqueologista, o psicanalista às vezes encontra promissoras pistas, outras vezes decepcionantes; se ele continua aprofundando neste caminho nada vai garantir descobertas importantes; como o arqueologista ele tem que ter cuidado para não destruir o local das provas, tem que ter paciência e delicadeza; como o arqueologista tem que agir como um cientista guiado por construções técnicas, porém, abertas para possíveis revisões.
Toda disciplina científica está envolvida na pesquisa de fatos ou leis não conhecidas; para tornar visível o que é invisível, necessita de interpretação.
As evidências são fragmentárias, têm que trabalhar do presente para o passado, depois muda outra vez, agora do passado para o presente, o arqueologista reconstrói uma estátua e um templo, a partir de pequenos fragmentos e o psicanalista reconstrói a origem da neurose a partir de memórias distorcidas e involuntários deslizes.
O que é obscuro precisa e deve tornar-se claro, o que é latente precisa tornar-se manifesto”.
Freud, por esta época, virada do século, fez duas revolucionárias descobertas ao procurar interpretar os sonhos, principalmente os seus próprios sonhos:
Geralmente um sonho representa a realização de um desejo, porém, não quer dizer que conseguimos sonhar tudo o que desejamos e o desenvolvimento de um sonho evidencia a participação do inconsciente, pois durante o sono o consciente do individuo está indefeso e o que provavelmente provocou maior discórdia quando foi enunciado, o sonho, geralmente, expressa um desejo sexual.
Muitas vezes, dizia Freud, o sonho expressa uma idéia latente, cujos objetos visualizados, ou símbolos, que normalmente não têm nenhuma conotação sexual, precisam ser interpretados.
Alguns exemplos (símbolos) citados por Freud são interessantes de serem lembrados: sonhar com objetos penetrantes como espadas, espingardas, sombrinhas, cobras, pode simbolizar o pênis; por outro lado, objetos que sugerem receptáculos como caixas, bolsas, cavernas, podem simbolizar a vagina.
Ao interpretar seu próprio sonho ocorrido quando tinha oito anos de idade (entrou no quarto dos pais quando eles, provavelmente, estavam tendo relação sexual), Freud descreveu o Complexo de Édipo, cuja história pode ser resumida no desejo de incesto do filho com a mãe, acompanhado de ciúmes contra o próprio pai.
A rede Globo de televisão levou ao ar no final de 1987 a novela Mandala, que acabou provocando enorme polêmica, pois tratava de assuntos complicados (incesto, bissexualismo, repressão política, racismo e drogas).
O governo Sarney ainda mantinha resquícios da ditadura e, por conseqüência, a censura proibiu sua exibição, se não fossem feitos alguns reparos, o que de fato ocorreu.
No enredo da história, Jocasta (Vera Fischer) tem um romance com Laio (Perry Salles) e deste relacionamento nasce Édipo (Felipe Camargo), que é roubado logo ao nascer. Laio consulta um paranormal (Nuno Leal Maia) que, ao jogar búzios, chega à conclusão que no futuro, Édipo irá matar seu pai e terá um romance com a sua própria mãe.
A vida imita a arte, como diria Oscar Wilde; na vida real aconteceu, algum tempo depois, o casamento de Vera Fischer com Felipe Camargo, por sinal, um casamento tumultuado.
Precisaríamos de Freud para ajudar-nos a explicar este segundo tempo (brasileiro) do Complexo de Édipo.

BERGGASSE, 19 – VIENA – CONSULTÓRIO DE FREUD – VII

O período compreendido entre o final do século XIX e inicio do século XX foi o divisor de águas na história do mundo; a Rainha Vitoria ainda reinava na Inglaterra; a Alemanha Imperial, governada pelo todo poderoso Kaiser Guilherme II, começava a exigir maior respeito às suas posições; na Rússia Imperial o Czar Nicolau II estava iniciando seu reinado que, como sabemos, teve epílogo sangrento.
A Áustria-Hungria, com o Império dos Habsburgos, dominava, há muitos séculos, grande parte da Europa Central e Oriental; o Império Otomano, a partir de Constantinopla, com seu regime de Sultões, era soberano no que hoje chamamos de Oriente Médio e a África e a Ásia eram governadas por alguns países da Europa; os Estados Unidos era, ainda, o gigante adormecido.
A Europa era o centro do mundo!
Analisando, agora à distância, podia se perceber que a aparente tranquilidade no solo Austríaco, escondia ou pelo menos procrastinava um grave acontecimento que seria o inevitável conflito armado, tendo em vista o advento do nacionalismo, o consequente inicio do armamento das nações e a explosiva rivalidade anglo-germânica.
Freud, como um dos habitantes de Viena, provavelmente não tinha este pressentimento, ou pelo menos não se ocupava com tais assuntos, pois, continuava sua vida indiferente a estas possíveis conturbações políticas; consultando grande volume de correspondência desta época que ele costumeiramente trocava com vários interlocutores, inclusive, com a sua noiva e depois esposa, não consegui perceber, mesmo nas entrelinhas, qualquer sinal de preocupação, mesmo porque Freud era objetivo na definição dos assuntos, com pouco espaço para devaneios.
Em carta que enviou em 12.6.1900 para seu amigo Fliess ele sai um pouco desta linha de sobriedade, até para confirmar o que dissemos acima sobre o seu estado de espírito, e fala da sua alegria de estar em uma casa de campo em Wienerwald “... A vida em Bellevue está se desenvolvendo de forma muito agradável para todos nós. As noites e manhãs são lindas; o aroma da acácia sucedeu ao do lilás, as rosas selvagens estão em flor...” ( Correspondência – 1873-1939, Ed. Nova Fronteira, 1982).
Sua vida profissional e doméstica era estável, assim como seus projetos científicos, pois havia publicado vários trabalhos, dentre eles os que tratavam da histeria, das obsessões e fobias e da ansiedade e neurose.
Desde setembro de 1891 a família Freud vivia em novo endereço – Berggasse 19, Viena, em um apartamento de dois andares, sendo no térreo o seu consultório e no andar superior o da família propriamente dito; aliás, é necessário que se diga que ele viveu ali por quase meio século, só saindo quando a Áustria foi ocupada pelos nazistas em junho de 1938, asilando-se na Inglaterra.
Quando ele veio para este endereço era apenas um jovem neurologista com ideias não ortodoxas e com o futuro para ser feito, quando saiu era famoso no mundo inteiro e, principalmente, fundador de uma nova ciência.
Entre as paredes do seu apartamento ele escreveu a maioria dos seus livros, analisou a maioria dos seus pacientes, incluindo a histórica auto-análise; ali ele organizou sua biblioteca, colecionou artes, criou seus filhos e conduziu uma volumosa correspondência discutindo suas ideias e, principalmente, sustentou, com a sua liderança, o embrionário movimento psicanalítico mundial.
Hoje sua casa é um museu e, uma simples placa colocada na entrada, alerta o visitante: “Sigmund Freud viveu e trabalhou aqui”; indicativo muito modesto para alguém que fez uma decisiva descoberta na história da humanidade; não seria exagero cognominá-lo de o “Cristóvão Colombo da mente”.
Confesso, com sinceridade, foi um dos momentos de grande emoção a visita que fiz, na década de 1980 à Berggasse 19, local onde morou Freud, situado nas imediações da Universidade de Viena; havia chovido pela manhã, o calçamento de pedra ainda estava molhado e o dia estava um pouco escuro, transmitindo tristeza para o olhar do turista.
As bandeiras nazistas, felizmente, não mais tremulavam na sua fachada, como mostram fotografias feitas em 1938 pelo fotografo Edmund Engelman (Berggasse 19, Basic books, inc. New York, 1976).
A fachada do edifício é no estilo renascentista; após a porta de entrada, surge um corredor pouco iluminado, terminando com o inicio de uma escada que dá acesso aos andares superiores, inclusive ao apartamento-consultório de Freud.
A mesma surpresa que sentimos ao visitar seu consultório acredito que os seus antigos pacientes devem ter sentido: parece que aquela profusão de coisas espalhadas por todo canto, tais como livros, pinturas, tapetes, esculturas e estatuetas (grande quantidade) emparelhadas umas ao lado das outras, algumas fotografias “escondendo um livro”, enfim, provavelmente nem Freud poderia explicar a razão de ter sido colocado um pequeno espelho dependurado na janela (teria sido um presente e não havia mais espaço onde colocá-lo?)
Era, realmente, um museu de antiguidades; para onde se olhasse, evocar-se-ia a ideia do passado; objetos vindos do Egito, Grécia, Roma e do Oriente, consentâneo com a idéia (dele) de que o paciente que o procurasse, estava tentando redescobrir suas origens e reacender as cinzas da sua história.
A peça mais emocionante é o “console” onde o paciente se deitava confortavelmente; a cabeça escorada por travesseiros e Freud ficaria sentado em uma poltrona na cabeceira, fora da visão do paciente.
O consultório de Freud é a síntese de mais uma das suas costumeiras metáforas, o ponto de aproximação do psicanalista com o arqueologista, porém, este é assunto para nosso próximo capítulo.



BERGGASSE, 19 – VIENA – CONSULTÓRIO DE FREUD – VII

O período compreendido entre o final do século XIX e inicio do século XX foi o divisor de águas na história do mundo; a Rainha Vitoria ainda reinava na Inglaterra; a Alemanha Imperial, governada pelo todo poderoso Kaiser Guilherme II, começava a exigir maior respeito às suas posições; na Rússia Imperial o Czar Nicolau II estava iniciando seu reinado que, como sabemos, teve epílogo sangrento.
A Áustria-Hungria, com o Império dos Habsburgos, dominava, há muitos séculos, grande parte da Europa Central e Oriental; o Império Otomano, a partir de Constantinopla, com seu regime de Sultões, era soberano no que hoje chamamos de Oriente Médio e a África e a Ásia eram governadas por alguns países da Europa; os Estados Unidos era, ainda, o gigante adormecido.
A Europa era o centro do mundo!
Analisando, agora à distância, podia se perceber que a aparente tranquilidade no solo Austríaco, escondia ou pelo menos procrastinava um grave acontecimento que seria o inevitável conflito armado, tendo em vista o advento do nacionalismo, o consequente inicio do armamento das nações e a explosiva rivalidade anglo-germânica.
Freud, como um dos habitantes de Viena, provavelmente não tinha este pressentimento, ou pelo menos não se ocupava com tais assuntos, pois, continuava sua vida indiferente a estas possíveis conturbações políticas; consultando grande volume de correspondência desta época que ele costumeiramente trocava com vários interlocutores, inclusive, com a sua noiva e depois esposa, não consegui perceber, mesmo nas entrelinhas, qualquer sinal de preocupação, mesmo porque Freud era objetivo na definição dos assuntos, com pouco espaço para devaneios.
Em carta que enviou em 12.6.1900 para seu amigo Fliess ele sai um pouco desta linha de sobriedade, até para confirmar o que dissemos acima sobre o seu estado de espírito, e fala da sua alegria de estar em uma casa de campo em Wienerwald “... A vida em Bellevue está se desenvolvendo de forma muito agradável para todos nós. As noites e manhãs são lindas; o aroma da acácia sucedeu ao do lilás, as rosas selvagens estão em flor...” ( Correspondência – 1873-1939, Ed. Nova Fronteira, 1982).
Sua vida profissional e doméstica era estável, assim como seus projetos científicos, pois havia publicado vários trabalhos, dentre eles os que tratavam da histeria, das obsessões e fobias e da ansiedade e neurose.
Desde setembro de 1891 a família Freud vivia em novo endereço – Berggasse 19, Viena, em um apartamento de dois andares, sendo no térreo o seu consultório e no andar superior o da família propriamente dito; aliás, é necessário que se diga que ele viveu ali por quase meio século, só saindo quando a Áustria foi ocupada pelos nazistas em junho de 1938, asilando-se na Inglaterra.
Quando ele veio para este endereço era apenas um jovem neurologista com ideias não ortodoxas e com o futuro para ser feito, quando saiu era famoso no mundo inteiro e, principalmente, fundador de uma nova ciência.
Entre as paredes do seu apartamento ele escreveu a maioria dos seus livros, analisou a maioria dos seus pacientes, incluindo a histórica auto-análise; ali ele organizou sua biblioteca, colecionou artes, criou seus filhos e conduziu uma volumosa correspondência discutindo suas ideias e, principalmente, sustentou, com a sua liderança, o embrionário movimento psicanalítico mundial.
Hoje sua casa é um museu e, uma simples placa colocada na entrada, alerta o visitante: “Sigmund Freud viveu e trabalhou aqui”; indicativo muito modesto para alguém que fez uma decisiva descoberta na história da humanidade; não seria exagero cognominá-lo de o “Cristóvão Colombo da mente”.
Confesso, com sinceridade, foi um dos momentos de grande emoção a visita que fiz, na década de 1980 à Berggasse 19, local onde morou Freud, situado nas imediações da Universidade de Viena; havia chovido pela manhã, o calçamento de pedra ainda estava molhado e o dia estava um pouco escuro, transmitindo tristeza para o olhar do turista.
As bandeiras nazistas, felizmente, não mais tremulavam na sua fachada, como mostram fotografias feitas em 1938 pelo fotografo Edmund Engelman (Berggasse 19, Basic books, inc. New York, 1976).
A fachada do edifício é no estilo renascentista; após a porta de entrada, surge um corredor pouco iluminado, terminando com o inicio de uma escada que dá acesso aos andares superiores, inclusive ao apartamento-consultório de Freud.
A mesma surpresa que sentimos ao visitar seu consultório acredito que os seus antigos pacientes devem ter sentido: parece que aquela profusão de coisas espalhadas por todo canto, tais como livros, pinturas, tapetes, esculturas e estatuetas (grande quantidade) emparelhadas umas ao lado das outras, algumas fotografias “escondendo um livro”, enfim, provavelmente nem Freud poderia explicar a razão de ter sido colocado um pequeno espelho dependurado na janela (teria sido um presente e não havia mais espaço onde colocá-lo?)
Era, realmente, um museu de antiguidades; para onde se olhasse, evocar-se-ia a ideia do passado; objetos vindos do Egito, Grécia, Roma e do Oriente, consentâneo com a idéia (dele) de que o paciente que o procurasse, estava tentando redescobrir suas origens e reacender as cinzas da sua história.
A peça mais emocionante é o “console” onde o paciente se deitava confortavelmente; a cabeça escorada por travesseiros e Freud ficaria sentado em uma poltrona na cabeceira, fora da visão do paciente.
O consultório de Freud é a síntese de mais uma das suas costumeiras metáforas, o ponto de aproximação do psicanalista com o arqueologista, porém, este é assunto para nosso próximo capítulo.



FREUD INICIA SUA AUTOANÁLISE E A INTERPRETAÇÃO DOS SONHOS – VI

O Prof. Jean Martin Charcot, naquela época um dos mais famosos neurologistas do mundo, diretor do Asilo Salpêtrière de Paris, com quem Freud teve oportunidade de estagiar por quase seis meses (1885-1886), deixou marcas indeléveis na evolução dos estudos sobre os distúrbios do psiquismo em que Freud estava envolvido.
Ao lado de frisar a importância dos conhecimentos que adquiriu, estando ao lado de Charcot, Freud deu demonstração de independência crítica ao não concordar com tudo o que ouvia do Mestre, como ficou patenteado no prefácio do livro “Conferências das terças-feiras de Charcot” que ele traduziu do francês para o alemão.
Além de tecer elogios ao Professor, “ essas conferências encerram material novo que ninguém, nem mesmo os especialistas no assunto, as lerá sem um considerável acréscimo em seus conhecimentos”, Freud foi também crítico, ao justificar as notas que ele acrescentou no rodapé do texto que traduziu, em que ele diz, textualmente: “ Essas notas são de minha autoria... em parte são objeções e anotações críticas, tais como as que podem ocorrer a quem está ouvindo uma conferência... simplesmente estou pretendendo exercer o direito de criticar... É evidente que o faço segundo meu próprio ponto de vista, na medida em que este diverge das teorias de Salpêtrière (Sigmund Freud – Vol. I, Ed. Imago, 1996)”.
Freud tinha consciência que Charcot, com o uso da hipnose, havia dado o primeiro passo no sentido da humanização do tratamento das neuroses, porém esta técnica e a sua própria, denominada “técnica de pressão”, continuavam, sob seu ponto de vista, sendo arbitrárias e autoritárias.
Achava, também, que a sua nova técnica “Livre associação de idéias”, ao buscar no passado do inconsciente, os eventos traumáticos que estavam causando os sintomas, poderia ser a chave para solucionar a problemática dos distúrbios neuróticos.
Pela sua honestidade intelectual, Freud se deu conta que precisava testar em si mesmo, para provar se as hipóteses que aventava acerca do funcionamento da mente eram realmente corretas e aplicáveis a outros; se os fenômenos que via nos seus pacientes não poderiam ser, simplesmente, distorções do funcionamento psíquico de todos os homens e não somente daquele paciente em particular.
Em 1897 ele iniciou uma proeza única e ainda insuperável: a autoanálise.
Concomitantemente com esta decisão ou por causa desta, ele resolveu interpretar seus próprios sonhos; o primeiro, não obrigatoriamente na ordem cronológica dos acontecimentos, porém, no registro bibliográfico do livro “Interpretação dos sonhos” que ele publicou em 1900, foi o sonho “Injeção de Irma” e que foi o marco inicial da revelação do mistério dos sonhos, conforme ele escreveu para seu amigo Dr. Fliess em 24.7.1895 (Correspondência Freud e Fliess, Ed. Imago, 1986).
Ao analisar este sonho ele considerou as associações de cada elemento do mesmo, comparando, cuidadosamente, com outros acontecimentos e descobriu como são as elaborações oníricas. Chegou a esta conclusão pela análise de outros seus sonhos e também dos seus pacientes.
Em uma carta que ele enviou ao seu amigo Fliess, Freud dá mostra, mais uma vez, da sua intelectualidade (texto maravilhoso) e da sua visão quanto ao futuro da sua nova descoberta; diz ele “... A autoanálise pode ser comparada à situação de um explorador que se abala à sua viagem sem saber de sua destinação, não tendo em seu equipamento nem mapas, nem bússolas, inseguro a respeito dos instrumentos de que irá precisar na sua caminhada...”.
Os especialistas em psicanálise sabem que um dos mais importantes ingredientes de toda análise é a “transferência”; o analisando desenvolve um relacionamento muito especial em relação ao analista que reflete todos os seus intensos relacionamentos a figuras importantes do passado – pais e irmãos.
Esta relação de transferência é essencialmente uma repetição do passado; Freud era seu próprio analista e o elemento de transferência passou a ser seu amigo Dr. Fliess.
No próximo capítulo iremos discutir este relacionamento e, sobretudo, esta “transferência”.