BAÚ LITERÁRIO

Tratam-se de textos ( resumos de ensaios) que são publicados a cada 15 dias no suplemento literário da Academia Goiana de Letras ( encarte do jornal Diário da Manhã de Goiânia)

segunda-feira, 21 de junho de 2010

A CERIMÔNIA DO ADEUS NA LITERATURA.

Cada escritor, na sua luta para encontrar a sintonia das palavras com o ambiente que está descrevendo nas suas resenhas literárias (romance, crônica ou conto), muitas vezes veste a roupa do personagem e finge que mantém a necessária equidistância do narrador.
Se a cena descreve a despedida de dois apaixonados, a dificuldade pode ser maior pela necessidade de se fugir da pieguice ingênua ou do diálogo que não transmite a emoção necessária e desejada pelo autor; ambas as situações poderão comprometer todo o trabalho literário.
Transcrevo, a seguir, trechos de dois livros, onde esta temática esteve presente; no livro “Diário de Moscou” (Cia. das Letras, 1989), o autor, Walter Benjamim, narra um destes momentos, com maestria e, sobretudo, enorme carga emocional.
Para que os leitores possam sentir todo o arrebatamento da cena, permito-me tecer, em rápidas palavras, algumas considerações sobre o citado livro.
Walter Benjamim, filósofo, escritor e ensaísta alemão empreendeu em 1926, uma viagem à Moscou, com três finalidades: reencontrar um grande amor, uma jovem letã de Riga de nome Asja Lacis, atriz de teatro e revolucionária comunista, que ele conhecera em Capri em 1924; em segundo lugar estudar a situação política, social e literária da Rússia pós 1917, já sob a tutela de Stalin e, finalmente, cumprir compromissos literários com uma revista alemã que custeou sua viagem (escrever sobre a vida na Rússia).
O segundo objetivo deixou marcas profundas na sua sensibilidade, pois ele teve amargas decepções com a realidade local, principalmente se levarmos em consideração as expectativas otimistas que o animaram a fazer a viagem.
Paulatinamente, a leitura do livro vai mostrando, página após página, que Benjamim perdia todas as ilusões que havia nutrido por vários anos de militância no movimento esquerdista; a decepção da experiência levou-o, mais tarde, a desistir da sua possível filiação ao Partido Comunista Alemão, projeto que analisava há mais de dois anos.
O terceiro objetivo, felizmente para a literatura, foi cumprido; nada menos que quatro publicações e um extraordinário ensaio, que ele denominou “Moscou”, foram publicados a partir de 1927.
Não resta dúvida que a figura de Asja Lacis domina as páginas do livro, embora fosse a razão principal daquela sua viagem, o relacionamento entre os dois foi muito difícil e problemático; ao lado da atração erótica, ela exercia sobre ele uma enorme influência intelectual.
Para agravar a situação, Asja encontrava-se doente e hospitalizada em um sanatório; o tempo que conseguem ficar juntos, o fazem, em grande parte, no quarto dela no hospital, levando-a a ficar muito afastada dele.
Está relatado, com cruel exatidão, o tempo que ele espera, em vão, por Asja; sua repulsa, até com certa dose de cinismo erótico, aos acontecimentos que ele não conseguia dominar.
Depois de “suportar” por pouco mais de 30 dias esta pressão, ele resolveu partir; a cena da despedida, que transcrevo abaixo, é uma das mais belas da literatura; embora fosse real, qualquer romancista a copiaria em uma grande obra de ficção; sugiro ao leitor que imagine a cena ocorrendo em uma rua deserta de Moscou coberta de neve, vento gelado congelando a voz da despedida e o aceno que ia desaparecendo à medida que empalidecia a claridade do crepúsculo e o trenó distanciava.
“Finalmente, como só restavam poucos minutos, minha voz começou a falhar e Asja notou que eu estava chorando. Então ela disse: “Não chore, senão vou acabar chorando também e uma vez quando começo, não consigo parar tão facilmente como você”. Abraçamo-nos com força e saí do quarto com minha mala. Asja seguiu-me; pedi-lhe em seguida que chamasse um trenó. Mas quando eu estava para subir, tendo já me despedido dela mais uma vez, convidei-a para ir comigo até a esquina da Tverskaia. Lá ela desceu e, quando o trenó já estava começando a andar novamente, puxei de novo sua mão para os meus lábios, no meio da rua. Ficou lá, durante muito tempo, acenando. Acenei de volta, do trenó. Primeiro, pareceu-me que ela olhava para trás enquanto andava, depois não a vi mais. Com a enorme mala no colo, chorando pelas ruas já sob a luz do crepúsculo, continuei até a estação ferroviária”.

Outra cena que gostaria de reportar é o da despedida de Couto de Magalhães da sua namorada Inglesa de nome Lily (Couto de Magalhães, o último desbravador do Império - Hélio Moreira, Ed. Kelps-Goiânia,2005).
“Encontrou-a, novamente, chorosa e pouco receptiva, sentou-se na cadeira de espaldar que estava na sala, permanecendo em silêncio, com os olhos fechados, aguardando a possível mudança de humor de Lily; felizmente demorou pouco aquela situação.
- Meu querido, não gostaria de fazer-lhe nenhuma recriminação, porém, você deve se lembrar de todas as coisas que aconteceram entre nós, ou você já se esqueceu? Eu nunca acusei você de nada, minhas dores, minhas aflições pela minha separação da minha mãe, carreguei sempre comigo e calada.
A facilidade com que você me diz agora, simplesmente: peço-lhe perdão, mas eu não a amo mais! Você me amou alguma vez? Sua indiferença causa-me tristeza, profunda tristeza; ocultei-te, inclusive, minhas lágrimas, vertidas em momentos de solidão. O que realmente eu fui para você? Não ficará nada deste nosso relacionamento? Seus sentimentos são indecifráveis para mim, mas sei que você vai se lembrar de mim, de nós; quando isto acontecer, faça seu pensamento atravessar o oceano e irá encontrar-me envolvida com a minha solidão. Não se acanhe, nestas horas, fale comigo, ninguém notará, porque a linguagem do sentimento, em algumas oportunidades, não precisa de vocalização e só é inteligível para quem se expressa.
Continuarei minha vida, imaginando que você estará sozinho; conseguirei vê-lo como se estivesse num porta-retratos. Por que fui amar você, se eu sabia que um dia isto iria acontecer? A partir de agora só tenho um sentimento na minha alma: odeio a mim mesma por não ter-me preparado adequadamente para este dia; odeio você, infinitamente odeio você!
- Lily, não fale coisas das quais você poderá se arrepender depois, todos nós podemos transformar nossas vidas em um maravilhoso jardim ou em um árido deserto! Tudo o que está acontecendo traz, para mim e para você, sofrimento e tristeza!
Seu desapontamento é como uma ferida que machuca seu amor próprio; para mim é uma profunda tortura moral, pior que a dor física. Quer saber por quê? Você é a matéria e eu sou a idéia, você é o barro, eu sou o artesão. Nossa separação traz-me revolta contra as leis da razão, à qual estou ligado umbilicalmente pelos tempos que virão.
Eu poderia, para facilitar minha posição, assumir a postura de Ovídio na “Arte de Amar”: “Semeai promessas: a ninguém causam desfalque, e o mundo é rico em palavras. A esperança, quando nela outros crêm, faz ganhar muito tempo”.
Lily estava agora mais calma, aproximou-se da poltrona onde Couto estava sentado, ajoelhou-se e deitou seu rosto nas suas pernas; carinhosamente ele acariciou seus cabelos e os dois permaneceram em silêncio por muito tempo. Depois, levantaram-se de mãos dadas e dirigiram-se para o quarto, onde amaram como nunca fizeram antes!”

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