BAÚ LITERÁRIO

Tratam-se de textos ( resumos de ensaios) que são publicados a cada 15 dias no suplemento literário da Academia Goiana de Letras ( encarte do jornal Diário da Manhã de Goiânia)

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

O lado esquerdo do rio Sena, efervescência cultural dos anos 1930-1950.


Se estamos em Paris, não há como deixar de ir “bouquinar” no sebos situados na ( rive gauche) margem esquerda do rio Sena; há que caminhar sem pressa, parando em todos os “bouquins” conversar com o vendedor, ouvir sua opinião sobre este ou aquele livro que manuseamos com extremo cuidado para que as folhas não se soltem em nossas mãos; folhear, com indescritível prazer, antigas revistas, discutir o preço daquela particular gravura datada do século XIX, dizer “merci, au revoir” (obrigado, até logo) e continuar pesquisando.
Foi ali, em um “bouquin” nas imediações da Notre Dame que adquiri um dos livros mais raros da maçonaria “O triângulo de Pitágoras”, editado em Londres em 1875, foi também ali que encontrei socorro, ao adquirir um magazine de modas “L’Illustration” editado no ano de 1913, com ilustrações sobre o vestuário do inicio do século passado, a fim de poder trajar os personagens do livro que está em andamento;
Nestas imediações, em velhas casas localizadas em ruas que terminam ao longo do Sena, viveu uma multidão de homens e mulheres (escritores, escultores, pintores, jornalistas) a partir dos anos 30 do século passado, cujas manifestações ecoavam por toda Europa, quiçá, por todo o mundo.
Esta efervescência de ideias durou até próximo do término da segunda guerra mundial, quando um episódio dividiu o grupo: a ocupação da França pelos alemães; a partir daí muitos deles passaram a lutar em campos opostos e estenderam esta divisão para o grande embate ideológico este-oeste que veio a seguir.
Mesmo com esta divisão, o grupo mantinha-se unido pela lealdade, freqüentavam os mesmos cafés, as mesmas universidades, as mesmas redações de revistas e jornais, respeitando as opiniões divergentes.
A grande maioria da intelectualidade daquela época estava envolvida com os ideais socialistas emanados da União Soviética e, a defesa daquele regime contra as investidas do capitalismo, era questão de honra.
Olhando à distância acredito, e esta presunção é compartilhada por inúmeros historiadores, que um dos acontecimentos mais importantes ocorrido em meio àquela efervescência de idéias, foi o congresso internacional de escritores.
Não temos condições de narrar todos os fatos e identificar todos os personagens envolvidos neste episódio, porém, é necessário frisar: o acontecimento não teria ocorrido se não fosse a participação do poeta e romancista russo Ilya Ehrenburg, que vivia em um pequeno apartamento localizado nas imediações de Montparnasse.
Ehrenburg era correspondente do jornal Izvestia de Moscou; ao lado de ser figura muito conhecida no meio intelectual da Rive Gauche era considerado um “boa vida”.
Exímio articulador político, passou a se preocupar com o crescimento do fascismo na Europa; viajou a Moscou em 1934, na companhia de André Malraux, para assistir um congresso de escritores; na volta expôs à André Gide e André Malraux aquelas suas preocupações e ele próprio se convenceu que deveria organizar um movimento de intelectuais franceses e soviéticos contra o fascismo.
Ehrenburg recebeu instruções, diretas de Stalin, para organizar um congresso internacional de escritores pela defesa da cultura, a ser realizado em Paris; no começo de 1935 um grupo de escritores se reuniu para traçar o programa e definiram a data: 21 a 25 de junho.
Concordaram em estender o convite a todos os escritores que estavam, de alguma maneira, envolvidos com os ideais socialistas e principalmente os que tivessem algum significado literário; sequencialmente definiu-se a lista de oradores, destacando-se Bertolt Brech, Máximo Gorki, Ehrenburg, Gide, Malraux, Aldous Huxley, Louis Aragon, Tzara ( do movimento dadaísta), Breton ( movimento surrealista) dentre outros.
Um acontecimento extraordinário ocorreu pouco antes da inauguração do congresso: André Breton, ao tomar conhecimento de um livro que Ehrenburg publicara, onde dizia que o movimento surrealista estava envolvido apenas com “pederastia e sonhos”, sentiu-se ofendido e encontrando-o na via publica, o esbofeteou; como resposta, Breton foi, por Ehrenburg, proibido de falar no congresso.
Todas as tentativas foram feitas no sentido de mudar o rumo dos acontecimentos, não teve jeito, os surrealistas e os trotsquistas não falariam!
André Gide foi indicado para presidir (simbolicamente) o congresso (cerca de 3.000 congressistas oriundos de quatorze paises), tendo Malraux , realmente, como o condutor do processo; foram cinco dias e cinco e noites de frenéticas discussões.
No entanto, apesar da temática do congresso ter sido inteiramente em defesa do regime soviético, pairava no ar uma aura de desconfiança contra Stalin, cuja política repressiva aos livres pensadores, portanto aos escritores, ecoava na imprensa ocidental; estava difícil explicar o caso do escritor russo Victor Serge, exilado para os Urais, por delito de idéias.
Quando Boris Pasternak, já bastante conhecido no ocidente, antes mesmo da publicação do Doutor Jivago discursou sob imensa ovação, muitos entenderam a sua mensagem cifrada: “Falar de política? Fútil, fútil...política? Para o campo, amigos, ide para o campo colher flores”; não havia como ignorar o caso Serge!
Ehremburg tentou explicar: “A revolução causara sofrimentos, mas, haveria partos sem dor? A União Soviética tinha o direito de se defender dos inimigos da revolução”, Gide complementou: “Nossa confiança na União Soviética é a maior prova de amor que lhe podemos dar”.
Algum tempo depois destes acontecimentos André Gide, que havia se declarado comunista de coração, foi à União Soviética, voltou desiludido com o que viu e escreveu o famoso livro Retour de l’URSS (retorno da União Soviética), um verdadeiro libelo contra o regime comunista.
Bem, este é um outro assunto!


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