BAÚ LITERÁRIO

Tratam-se de textos ( resumos de ensaios) que são publicados a cada 15 dias no suplemento literário da Academia Goiana de Letras ( encarte do jornal Diário da Manhã de Goiânia)

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

ANDRÉ GIDE e OSCAR WILDE – Vítimas do preconceito

André Gide nasceu em Paris em 1869 e Oscar Wilde em 1854 em Dublin, na Irlanda, portanto quinze anos separavam estas duas criaturas que viriam a ser geniais cultores das artes e da literatura.
A Inglaterra vivia sob o domínio da chamada era Vitoriana, com todos os costumes e tradições arraigadas na sua sociedade, ao passo que Paris já respirava os ares da liberdade de costumes e principalmente de pensamento.
A primeira vez que se encontraram foi em Paris em novembro de 1891; naquela época Gide estava com 22 anos de idade e acabara de publicar seu primeiro livro de poesias, Os Cadernos de André Walter, enquanto que Wilde, com 37, já desfrutava de grande sucesso, desconcertando o meio intelectual de Londres e já insinuava ser homossexual, tendo assumido esta condição nesta mesma época, ao se aproximar perigosamente de Lord Alfred Douglas, com quem passa a ter, escandalosamente, para a época, um relacionamento fora dos padrões convencionais.
O Wilde que Gide conheceu já era um verdadeiro “Dandy”; vestia-se e comportava-se de maneira espalhafatosa, chamando a atenção para sua pessoa em qualquer ambiente que frequentasse; vivia acima dos seus rendimentos, já era admirado e odiado e sua fama ultrapassara os limites da fronteira da Inglaterra.
Encontraram-se, praticamente, todos os dias, durante três semanas, quando conversavam horas a fio, Gide não resistiu ao encantamento espiritual de Wilde, como registrou em seu diário em 1892, tendo, inclusive, o retratado em um dos seus personagens (Menalque) ao escrever Frutos da Terra, em 1897.
Depois deste primeiro episódio, impulso precursor de uma grande amizade, voltaram a se encontrar em vários outros lugares, com Wilde, pela sua forte personalidade, dominando o relacionamento entre ambos.
Seguiram seus caminhos; Wilde atingiu o apogeu da glória almejada por qualquer escritor, seus aforismos eram repetidos em todos os salões, a imprensa ocupava-se das suas movimentações diárias, seus livros e suas peças teatrais eram sucessos de público e crítica; no entanto, seu relacionamento homossexual com Alfred Douglas levou-o à ruína, acabando por ser condenado à prisão, com trabalhos forçados, por um tribunal inglês (Oscar Wilde, sua vida e confissões, Frank Harris, Cia. Ed. Nacional, 1939; Oscar Wilde, Richard Ellmannn Cia. das Letras, 1987).
Gide só teve reconhecimento do público e da crítica já na fase tardia da sua vida, após a segunda guerra mundial, com idade acima de cinquenta anos; embora já tivesse publicado algumas das suas obras primas, foi somente após a aparição de Frutos da Terra que ele realmente passa a ser lido e discutido e é justamente quando passam a acusá-lo de contaminar a juventude e desonrar as letras francesas pela sua atitude de assumir, gradativamente, a sua personalidade homossexual.
Gide enfrentava um grande conflito vivencial; seu amigo Claudel escreveu-lhe cobrando-lhe uma posição perante o que ele havia lido nas páginas da Nouvelle Revue Française: “Por Deus Gide, como pôde escrever a passagem que encontrei na página 478 da NFR?”.
Gide não teve coragem de confirmar sua “idiossincrasia” diante da interpelação do amigo, preferiu responder: “Eu amo minha mulher, mais que a vida, porém, não escolhi ser assim, não posso escolher os objetos dos meus desejos”; Claudel não aceita a resposta e contra-ataca: “Você não pode se considerar vítima de uma idiossincrasia fisiológica, seria fácil demais; depois, o homossexualismo dá brilho e chama a atenção”. (Século dos Intelectuais, Michel Winock, Bertrand Brasil, 2000).
Em 1926, após a publicação de Si le grain ne meurt (Se o Grão não Morre, 2ª. edição, Ed. Nova Fronteira, 1982) livro autobiográfico, ele assume, em público, sua condição de homossexual, narrando, inclusive, uma das suas aventuras ocorrida em 1895, quando se deparou, provavelmente por acaso, com Wilde na cidade de Blida, na Argélia, (muito frequentada por ingleses em busca de garotos de programa) onde encontraram alguns “belos como estátuas de bronze”.
Enquanto Wilde teve um final de vida conturbado, Gide manteve-se em triunfo até sua morte aos 82 anos de idade; pertenceu à grande geração de Proust e Claudel, encarnando uma das personalidades mais fascinantes da literatura francesa no século passado e teve a glória que não foi reservada ao seu amigo Wilde, recebeu o prêmio Nobel de Literatura.
Dele, para concluir, ouçamos o que disse Jean-Paul Sartre em 1951:
“Todo o pensamento francês destes últimos trinta anos, independentemente de quaisquer coordenadas, Marx, Hegel, Kierkegaard, quisesse ou não, tinha de ser definido, também, em relação à Gide“.

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