BAÚ LITERÁRIO

Tratam-se de textos ( resumos de ensaios) que são publicados a cada 15 dias no suplemento literário da Academia Goiana de Letras ( encarte do jornal Diário da Manhã de Goiânia)

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

DO RIO DE JANEIRO A GOIÁS – 1896 (A viagem era assim)

Quando pesquisei para escrever a biografia de Couto de Magalhães (Couto de Magalhães, o último desbravador do Império, Ed. Kelps. Goiânia 2005), constatei, consultando documentos da época, a enorme dificuldade para se fazer a viagem do Rio de Janeiro à Goiás (ano de 1863); denominei o feito de Couto de Magalhães como uma epopéia.
A escritora Maria Paula Fleury de Godoy publicou em 1961 (1ª. edição) um opúsculo, com o título que gravei acima; trata-se, também, da narrativa de uma epopéia: diário da viagem empreendida por sua mãe, carregando dois filhos menores, um deles a própria autora, entre o Rio de Janeiro e Goiás, no ano de 1896, Sra. Augusta de Faro Fleury Curado, por sinal, avó paterna da escritora Augusta de Faro Fleury de Melo, membro da AGL.
Para que se possa, realmente, conceituar a façanha, é necessário um breve sumário biográfico daquela extraordinária mulher, cuja personalidade, plasmada em princípios católicos, permitiu que criasse seus oito filhos na antiga Goiás do inicio do século passado, na hoje famosa chácara Bauman, orientando-os, ao lado do esposo, no caminho da cultura e da religião.
Augusta era filha do Conselheiro André Augusto de Pádua Fleury; nasceu em Curitiba, durante o tempo em que o pai era o Presidente daquela Província; depois se mudaram para o Rio de Janeiro; na adolescência foi aluna interna de colégi, em Paris, onde descobre o piano e a pintura. Enfim, era uma jovem-mulher, requintada, com cultura e conforto material; em 1893 casou-se com seu primo Sebastião Fleury Curado, viveram cerca de três anos no Rio de Janeiro e depois se mudaram para a cidade de Goyaz.
Este preâmbulo foi necessário para que se possa entender o desprendimento e, sobretudo, a coragem desta jovem ao se decidir acompanhar o marido em uma viagem que se antevia tão cheia de percalços, levando a tiracolo duas crianças, seus filhos.
Antes de transcrevermos alguns trechos daquele diário, achamos necessário dar, em rápidas pinceladas, uma visão do que foi aquela viagem que teve a duração de 58 dias; do Rio de Janeiro até Uberaba, foram de trem de passageiros, até Araguari, parte em vagão descoberto (transporte de cargas) e seis quilômetros a pé; ali descansaram por vinte dias. O resto da viagem (33 dias) foi feita a cavalo e em bangüê.
Deixemos que ela mesma conte, por intermédio de algumas páginas do seu diário, cujo texto completo, repleto de lirismo e coragem, foi publicado no livro da sua filha, acima citado.
“23 de agosto de 1896, madrugada triste, céu sem estrelas. Aglomerado de povo na estação de ferro, a comprar bilhetes. Quando voltar?...Só Deus sabe. Meu coração sangrava de dor, ir para tão longe! Quantas lágrimas derramadas na escuridão do carro de praça...Partimos, as crianças dormiam...
Dia 24 de agosto – São Paulo, depois de 15 horas de trem, noite mal dormida, dia seguinte, 5 horas da manhã, estação da Luz, rumo a Ribeirão Preto, dia 26, Uberaba, bela cidade, carros e muito luxo, só se anda de vestido de seda, embora em ruas não calçadas e com pó vermelho; dia 28 Uberabinha, dia 29 Araguari, onde ficamos por vinte dias; dali para frente, a cavalo e bangüê, este muito incômodo, joga, como um bote no mar. É uma espécie de gavetão de cômoda, teto de couro, tudo isto puxado por dois burros, um na frente e outro atrás, de repente o burro da frente deitou-se, levei grande susto, comecei a chorar e a rezar; neste primeiro dia caminhamos 3 léguas, faltavam 72.
No segundo dia (19 setembro) chuva torrencial, ficamos debaixo da tolda, acordamos as crianças, roncavam os trovões, vento fortíssimo, querendo arrancar os panos da tolda, invasão da água, colocamos o André na rede, Maria Paula no meu colo; 4º. Dia (21 setembro), atracamos em Goiás! Joãozinho deu um tiro para cima e os camaradas responderam: Viva Goiás!12º dia (1 de outubro), passamos por Caldas Novas; é uma cidadezinha, riacho corre no centro, às 4 da tarde continuamos a viagem, mais chuva, tive que tomar “Parati” para não resfriar, fiquei com uma verve extraordinária!; 18º.dia (8 outubro), dia do meu aniversário, ganhei um ramalhete de flores e meu Sebastião abraçou-me muito, acampamos perto de uns ciganos, não dormi, com medo dos ciganos roubarem meus filhinhos, André com febre; 28º.dia (18 outubro), passamos por Curralinho (7 léguas de Goiás); chegada a Goiás (20 outubro), levantamos com chuva, ao meio dia chegamos em “Areias”, depois de termos descido a Serra Dourada. Ali almoçamos e mudamos de roupa, estávamos completamente molhados, vesti o roupão (amazonas) da minha sogra (Joãozinho havia ido buscar no dia anterior); passamos pelo povoado do rio Bacalhau, avistamos a capelinha de Santa Bárbara. Pedi a Deus que nos abençoasse.
O bangüê quase vira ao entrarmos na cidade de Goiás, já estava escuro. Muitos curiosos perguntando quem ia no bangüê; se era doente, a cidade é toda cercada de morros, no centro o Rio Vermelho. Agora, até a volta, e que Deus nos proteja”.
Augusta de Faro Fleury Curado nunca mais saiu da cidade de Goiás, tendo falecido em 1929, quinze anos antes do esposo.

0 Comentários:

Postar um comentário

Assinar Postar comentários [Atom]

<< Página inicial