BAÚ LITERÁRIO

Tratam-se de textos ( resumos de ensaios) que são publicados a cada 15 dias no suplemento literário da Academia Goiana de Letras ( encarte do jornal Diário da Manhã de Goiânia)

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

QUANDO EÇA DE QUEIROZ QUASE INCENDIOU PERNAMBUCO


Segundo penso, nenhum outro romancista do século dezenove exerceu tão grande influência, sobre a literatura brasileira do que Eça de Queiroz; não foram poucos os que imitaram seu estilo irreverente na crítica, na época da tentativa de superação do romantismo.
Não é exagero afirmar que nas rodas boêmias do final daquele século, os intelectuais brasileiros que viviam nas Províncias do Rio, São Paulo e, principalmente em Pernambuco, adotaram-no como padrão literário.
A explicação para a grande ligação sentimental de Eça com Pernambuco, encontramos no seu avô que ali viveu, exilado, durante algum tempo.
No entanto, nem sempre foi amigável o relacionamento do escritor com os habitantes daquela então Província, como nos conta, com detalhes, o historiador Paulo Cavalcante, no seu livro ”Eça de Queiroz, agitador do Brasil – Cia. Ed. Nacional, 1966).
Tudo começou com a viagem que Dom Pedro II fez à Europa em 1871, diga-se de passagem, em momento inoportuno, devido aos grandes debates que se travavam sobre o abolicionismo, o recém lançado manifesto republicano e a reforma eleitoral.
Nesta viagem o Imperador visitou mais de uma dezena de países “querendo ver tudo, mesmo superficialmente”; no seu retorno, ao passar por Lisboa deu-se a grande decepção: Eça de Queiroz e Ramalho Ortigão, diretores da revista “As Farpas”, transformaram a vitoriosa excursão em grotesco espetáculo circense.
Tudo o que Imperador fizera ou dissera na viagem, virou caricaturas e crônicas; suas bagagens, suas preferências literárias, seu conhecimento sobre línguas, as festas, homenagens, seu apetite, seus trajes, era motivo para chacota.
Algumas crônicas eram espirituosas “É uma mala pequena, de coiro escuro, com duas asas que se unem. É por ali que ele a segura. Na outra mão trazia às vezes o guarda-sol, debaixo do braço um embrulho de papel. Ela ficou popular na Europa, muito tempo se falará dela, menos dele”, outras nem tanto “As Farpas Imperador, são uma pequena quantidade de ferro, que não servimos em forma de punhal, mas sim em pequeninas pílulas para se tomarem em nata com baunilha, como convém que se receite às senhoras frágeis e anêmicas”.
Não resta duvida que isto provocou irritação no Imperador pois constituía, não uma brincadeira, mas sim, uma afronta ao Império do Brasil; porém, havia que regressar ao Brasil, mal sabendo ele da repercussão destes fatos por aqui, principalmente por parte de seus adversários políticos.
Toda reação corresponde a uma reação, Eça de Queiroz, também não esperava que as aparentemente inocentes crônicas e caricaturas, pudessem desencadear uma reação nativista de tamanha intensidade contra os portugueses, como a que ocorreu em Goiana, cidade próxima de Recife.
Na edição de 15 de maio de 1872, o jornal “O seis de março” do Recife, começava a publicar, copiando de “As Farpas” todas as crônicas de Eça de Queiroz sobre Dom Pedro II, com o objetivo de pôr os leitores “a par das proezas do nosso adorado monarca”, justamente quando ele, no seu retorno, passava por ali.
Enquanto “As Farpas” somente se ocupava com o Imperador, poucas vozes se levantaram no Recife para defendê-lo, porém, quando Eça escreveu a crônica “O Brasileiro” houve enorme repercussão na Província, pois, entendia-se o que estava escrito, como ofensa aos brasileiros.
Para a gaiatice de Eça o brasileiro era: “o pai achinelado e ciumento dos romances satíricos: é o gordalhufo amoroso das comédias salgadas; é o figurão barrigudo e bestial dos desenhos facetos: é o maridão de tamancos, traído – dos epigramas... Não lhes supõe distinção, pois são os eternos toscos achinelados da rua do Ouvidor. O namorado das mulheres gordalhufamente ridículas... A vitória do Paraguai, mereceu em Portugal este dito que corria nas ruas: o Brasil encheu-se de glória, oh Brasil dá cá o pé”.
Daí para frente era questão de honra nacional, os panfletos de Eça excitaram o estado de animosidade contra os portugueses; o jornal “O movimento”, pela pena do polemista Silvio Romero, assim como toda a imprensa do Recife, protestou energicamente em editoriais.
No entanto o maior libelo contra “As Farpas” foi feito através de um livro, com o título de “Os Farpões” editado por um modesto intelectual, chamado José Soares Pinto Correia; utilizando-se de uma linguagem dura, o autor caiu no gosto da população: “esses dois portugueses são dois répteis, audaciosos e nojentos, que a natureza nas horas de fadiga, lançou sobre a terra para vergonha e miséria do solo português... Dizeis que o brasileiro é o maridão de tamancos, traído...Bem o português é o pai tacanho e ridículo, é o figurão obeso e indolente: é o maridão de sapatões taxeados, traído...”
Eça e Ramalho não baixaram a guarda, responderam com novo numero de “As Farpas”, até com mais ironia e insolência: “Diz o José que se algum de nós for a Pernambuco, nos há de bater com cipó, uma vez que nos trata assim, não, nunca espere por nós José...Por um simples gracejo, por inocentes risos, propõe descadeirar com pau, ó viboras, ó monstro dos monstros!”
As consequências da polêmica assumiam proporções aterradoras, estava desencadeada a incompatibilidade entre os portugueses e os nativos; prenunciando graves distúrbios, um comerciante português foi agredido a paulada e sua loja depredada, repetindo-se, nos dias subseqüentes, e com maior gravidade, os mesmos fatos.
Em resumo, houve pronunciamento incisivo do corpo diplomático português, o chefe de gabinete do Império, Visconde do Rio Branco, fez pressão sobre o Presidente da Província, acabando por forçar sua demissão, culminando com a suspensão, na Província, das tradicionais comemorações festivas do sete de setembro, justamente no primeiro meio século da Independência.
Eça de Queiroz, com a sua verve aguçada, nunca imaginou que, de tão longe pudesse, com a sua picardia na escrita, incendiar uma região e derrubar um governo em uma Província do Brasil.

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