BAÚ LITERÁRIO

Tratam-se de textos ( resumos de ensaios) que são publicados a cada 15 dias no suplemento literário da Academia Goiana de Letras ( encarte do jornal Diário da Manhã de Goiânia)

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Semana de Arte Moderna – 13 a 18 de fevereiro de 1922

Provavelmente nem os seus idealizadores, conhecidos como o "grupo dos cinco" (Mario e Oswald de Andrade, Menotti Del Picchia, Tarsila do Amaral e Anita Malfatti) e, tampouco, o público que lotou as dependências do Teatro Municipal de São Paulo naquela noite de 13 de fevereiro de 1922, poderiam imaginar que aquela solenidade teria a repercussão que teve, transformando-se em um marco histórico para a cultura de São Paulo e, por extensão, do Brasil.Se fizermos uma retrospectiva histórica, podemos considerar que aquele movimento, Semana de Arte Moderna, ocorreu com alguma defasagem no tempo, senão, vejamos:Desde o século XVIII, com Voltaire (heresia anticlerical) e os iluministas, com ideias que batiam de frente com o modus vivendi, acentuando-se a partir da metade do século XIX, a vanguarda cultural europeia já estava envolvida e, principalmente, discutindo o termo Modernismo e os seus desdobramentos. Embora ainda hoje seja difícil definir o que seja esta expressão, ela era utilizada para todo tipo de inovação ou originalidade em qualquer das manifestações das artes, como a pintura, escultura, poesia, prosa, dança, música, arquitetura, teatro e o cinema.Os adeptos desta nova corrente eram contra a moderação, por considerá-la uma atitude burguesa, e tinham como axioma algumas afirmações consensuais: melhor que o conhecido era o desconhecido, melhor que o comum é o raro, o experimental é mais atraente que o rotineiro.Peter Gay (Modernismo- o fascínio da heresia, Cia. das Letras, 2009) nomina Charles Baudelaire como o primeiro herói do Modernismo; com a publicação de seu livro de poemas intitulado Flores do mal, ele foi parar na Corte de Justiça e obrigado a retirar daquela edição alguns poemas considerados obscenos.Pela mesma época, outro romancista, Gustave Flaubert, também sofreu processo por supostas obs-cenidades contidas no seu livro Madame Bovary; o que os juízes não perceberam ou, pelo menos, não discutiram, foi a fúria antiburguesa do autor, levando-o, inclusive, à incapacidade de descrever os personagens (burgueses) com isenção de ânimo. Era o pensamento consentâneo com a onda modernista; a aversão ao burguês e ao conservadorismo era tão extremada em Flaubert que ainda hoje assustamos com o tratamento dado à sua personagem Madame Bovary, dissecando-a como faria um cirurgião (J.Lemot, Gustave Flaubert dissecando Madame Bovary – Parodie "gravuras", 1869).Na pintura deve ser destacada a figura de Manet com a tela Olympia, cuja mulher nua, em posição desafiadora, chocava o público não acostumado com o realismo.Se quiséssemos definir um período para situar o auge das idéias modernistas, poderíamos, sem medo de errar, indicar as quatro décadas compreendidas entre os anos de 1880-1920 (Dadaísmo, Cubismo, Impressionismo, romances realistas, nos quais os romancistas passaram a investigar o sentimento dos personagens).Voltando à nossa discussão sobre os acontecimentos no Brasil, quando focamos a sua origem na conjunção de esforços daquele chamado "grupo dos cinco", chama-nos a atenção dois fatos: as figuras de Oswald e Mario de Andrade, realmente os articuladores do movimento e o momento da realização do evento, após o término da primeira guerra mundial, quando uma onda de patriotismo assolava a Europa, extrapolando as suas fronteiras (A Semana de 22: Revolução Estética? – Márcia Camargos, Cia. Ed. Nacional, 2007).Como aconteceu no passado (Flaubert, Picasso, Dali e outros, ficaram ricos à custa dos burgueses que eles combatiam, porém, compravam suas produções), os nossos modernistas contaram com a ajuda dos burgueses para poderem realizar a semana (Paulo Prado e Olivia Guedes Penteado, dentre outros) que garantiram o aluguel do Teatro Municipal de São Paulo e no final pagaram o prejuízo.Na noite de estréia o auditório estava lotado, com a aristocracia toda engalanada, trajando fraque e cartola, inclusive o governador do Estado de São Paulo, Washington Luiz, e o prefeito; coube a Graça Aranha fazer a conferência de estreia, "A emoção estética da arte moderna".Texto monótono e interminável, provavelmente de propósito, baseado no mesmo diapasão: "Daqui a pouco, junto com outros disparates, uma poesia liberta, uma música extravagante, virão revoltar os movidos pela força do passado." Depois se apresentou Villa-Lobos, usando chinelos; Menotti Del Picchia foi vaiado e Oswald de Andrade recebeu uma saraivada de batatas oriunda dos estudantes.O curioso, como acentua a jornalista e escritora Márcia Campos (citada acima), "um evento ignorado pelo grande público, criticado pela maioria da imprensa e tido como gozação pelos organizadores, acabou transformando-se em um marco histórico da cultura brasileira".Ainda hoje a semana de 1922 continua emblemática no imaginário das letras e das artes plásticas.

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