BAÚ LITERÁRIO

Tratam-se de textos ( resumos de ensaios) que são publicados a cada 15 dias no suplemento literário da Academia Goiana de Letras ( encarte do jornal Diário da Manhã de Goiânia)

sexta-feira, 25 de junho de 2010

DUAS MULHERES NA VIDA DE SIGMUND FREUD – Parte I

Tive acesso, dias atrás, a uma entrevista concedida por Sigmund Freud ao jornalista americano George Sylvester Viereck.
O inusitado deste acontecimento é o fato desta entrevista ter sido concedida em 1926, quando Freud ainda vivia na Áustria e que havia sido considerada como perdida, até sua publicação em 1957 (Journal of Psychology – Special Edition, N.Y., 1957).
Trata-se de um “tour de force” entre o jornalista e o pai da psicanálise; variada gama de assuntos são trazidos à baila, Freud “ouve pacientemente cada intervenção, não procurando, jamais, intimidar o entrevistador; ele tem que dizer a verdade a qualquer preço”.
Dentre os tópicos discutidos, destaco a sua posição a favor do psicanalista leigo “Os médicos dos Estados Unidos e alguns da Europa, procuram monopolizar para si a
Psicanálise. Seria um perigo para a psicanálise deixá-la, exclusivamente, nas mãos dos médicos”.
Conhecendo a vida de Freud, podemos entender esta sua posição como uma intenção de defender muitos dos seus amigos da primeira hora, aqueles que, sem serem médicos, acreditaram e abraçaram suas teorias em uma época de franca contestação por parte da classe médica européia, especialmente da austríaca.
Só para ficar em dois exemplos citaria duas famosas psicanalistas, ambas formadas por Freud e que não eram médicas: Marie Bonaparte, sobrinha-neta de Napoleão e a bela russa Lou Andréas Salomé; neste primeiro momento, pela falta de espaço, colocarei em relevo apenas uma das duas figuras.
Marie Bonaparte vivia na França e era, quando conheceu Freud em 1925, casada com um Príncipe grego e estava à beira de uma terrível depressão por se acreditar frígida; com alguma dificuldade, devida à inacreditável e sempre repleta agenda do já famoso pai da psicanálise, conseguiu marcar uma consulta.
Após frequentar, quase que diariamente e por mais de três meses, seu consultório à rua Berggasse em Viena, em sessões de análise, viu-se curada da problemática que a afligia; por isto adquiriu, como sói acontecer com muita frequência, uma inacreditável afeição pelo seu benfeitor e pela sua obra, acabando, inclusive, por se tornar uma psicanalista renomada.
Em 1938 aconteceu a anexação da Áustria à Alemanha nazista; Marie percebendo, com antecedência, o perigo que Freud, por ser judeu, passou a correr, veio de Paris para tentar convencê-lo a fugir, porém, seus argumentos não eram, para ele, convincentes
“- Já desempenhei o meu papel. Agora sou um velho doente que encontra no trabalho um pouco de diversão para enfrentar a dor. Enquanto me deixarem fazer meu trabalho...
- Eles o proibirão de exercê-lo!
- Escreverei
- Escreverá livros que eles não deixarão publicar!”
Por outro lado, será que o senhor não compreende que o senhor é a psicanálise?
- Se morrer, ficarão meus discípulos!
(Freud e a princesa Bonaparte, F.O. Rousseau, 1947)
Um episódio, no entanto, acabou por convencê-lo da necessidade de fugir: a terrível Gestapo prendeu sua filha Anna a pretexto de vasculhar o escritório da editora da “Revista de Psicanálise”.
A partir daí, foi uma corrida contra o tempo, era iminente a prisão de Freud; Marie conseguiu, através da embaixada da Grécia, telefonar para o embaixador dos Estados Unidos na França, contando-lhe o que estava acontecendo; em seguida passa a informação para a imprensa de todo o mundo.
Em maio de 1938 Marie deu inicio à difícil tarefa de conseguir vistos de saída para várias pessoas, onde incluía, além da esposa de Freud, sua cunhada, sua filha, seu médico e duas empregadas domésticas.
Duas personalidades foram fundamentais para o sucesso da empreitada, o Presidente Franklin D. Rooselvelt que convocou o embaixador alemão em Washington para solicitar, oficialmente, a liberação dos vistos e, por incrível que pareça, Benito Mussolini, chefe do fascismo na Itália e aliado de Hitler, que enviou telegrama à chancelaria alemã, pedindo noticias de Freud.
Freud e sua família viajaram de trem; desembarcaram em Paris na gare L’Est, onde uma multidão de pessoas os aguardavam; Marie Bonaparte estava lá! (uma fotografia da época mostra-a com seu perfil alto e elegante, trajando uma estola de pele no ombro, um chapéu com arranjos de flores e um vestido, aparentemente de seda, cheio de plissados, segurando o braço de Freud, para facilitar sua caminhada – S. Freud-His life in pictures and words; James Strachery, Great Britain, 1978).
O resto da história é por demais conhecida, depois de Paris Freud viajou para Londres onde viveu até falecer em setembro de 1939, tendo ao seu lado, sua fiel escudeira, a Princesa Marie Bonaparte.
Poucos meses antes de morrer, Freud escreveu uma bela carta a Marie e que está inserida na coletânea publicada pelo seu filho Ernest L. Freud (Sigmund Freud, Correspondência de Amor e outras cartas, Ed. Nova Fronteira, 1982)
“Não lhe escrevo há muito tempo. Suponho que você saiba por que, e possa até constatar pela minha caligrafia (nem a caneta é mais a mesma; como meu médico e outros órgãos externos, ela me deixou). Não estou bem; minha doença e as seqüelas do tratamento são responsáveis por este estado, mas em que proporção não sei. As pessoas estão procurando embalar-me em uma atmosfera de otimismo dizendo que o carcinoma está diminuindo e que os sintomas de reação ao tratamento são temporários. Eu não acredito e não gosto de ser enganado. Algum tipo de intervenção que interrompesse esse processo cruel seria muito bem-vindo.Abraço afetuoso, penso muito em você!”

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