BAÚ LITERÁRIO

Tratam-se de textos ( resumos de ensaios) que são publicados a cada 15 dias no suplemento literário da Academia Goiana de Letras ( encarte do jornal Diário da Manhã de Goiânia)

sexta-feira, 25 de junho de 2010

DUAS MULHERES NA VIDA DE SIGMUND FREUD – Parte I

Tive acesso, dias atrás, a uma entrevista concedida por Sigmund Freud ao jornalista americano George Sylvester Viereck.
O inusitado deste acontecimento é o fato desta entrevista ter sido concedida em 1926, quando Freud ainda vivia na Áustria e que havia sido considerada como perdida, até sua publicação em 1957 (Journal of Psychology – Special Edition, N.Y., 1957).
Trata-se de um “tour de force” entre o jornalista e o pai da psicanálise; variada gama de assuntos são trazidos à baila, Freud “ouve pacientemente cada intervenção, não procurando, jamais, intimidar o entrevistador; ele tem que dizer a verdade a qualquer preço”.
Dentre os tópicos discutidos, destaco a sua posição a favor do psicanalista leigo “Os médicos dos Estados Unidos e alguns da Europa, procuram monopolizar para si a
Psicanálise. Seria um perigo para a psicanálise deixá-la, exclusivamente, nas mãos dos médicos”.
Conhecendo a vida de Freud, podemos entender esta sua posição como uma intenção de defender muitos dos seus amigos da primeira hora, aqueles que, sem serem médicos, acreditaram e abraçaram suas teorias em uma época de franca contestação por parte da classe médica européia, especialmente da austríaca.
Só para ficar em dois exemplos citaria duas famosas psicanalistas, ambas formadas por Freud e que não eram médicas: Marie Bonaparte, sobrinha-neta de Napoleão e a bela russa Lou Andréas Salomé; neste primeiro momento, pela falta de espaço, colocarei em relevo apenas uma das duas figuras.
Marie Bonaparte vivia na França e era, quando conheceu Freud em 1925, casada com um Príncipe grego e estava à beira de uma terrível depressão por se acreditar frígida; com alguma dificuldade, devida à inacreditável e sempre repleta agenda do já famoso pai da psicanálise, conseguiu marcar uma consulta.
Após frequentar, quase que diariamente e por mais de três meses, seu consultório à rua Berggasse em Viena, em sessões de análise, viu-se curada da problemática que a afligia; por isto adquiriu, como sói acontecer com muita frequência, uma inacreditável afeição pelo seu benfeitor e pela sua obra, acabando, inclusive, por se tornar uma psicanalista renomada.
Em 1938 aconteceu a anexação da Áustria à Alemanha nazista; Marie percebendo, com antecedência, o perigo que Freud, por ser judeu, passou a correr, veio de Paris para tentar convencê-lo a fugir, porém, seus argumentos não eram, para ele, convincentes
“- Já desempenhei o meu papel. Agora sou um velho doente que encontra no trabalho um pouco de diversão para enfrentar a dor. Enquanto me deixarem fazer meu trabalho...
- Eles o proibirão de exercê-lo!
- Escreverei
- Escreverá livros que eles não deixarão publicar!”
Por outro lado, será que o senhor não compreende que o senhor é a psicanálise?
- Se morrer, ficarão meus discípulos!
(Freud e a princesa Bonaparte, F.O. Rousseau, 1947)
Um episódio, no entanto, acabou por convencê-lo da necessidade de fugir: a terrível Gestapo prendeu sua filha Anna a pretexto de vasculhar o escritório da editora da “Revista de Psicanálise”.
A partir daí, foi uma corrida contra o tempo, era iminente a prisão de Freud; Marie conseguiu, através da embaixada da Grécia, telefonar para o embaixador dos Estados Unidos na França, contando-lhe o que estava acontecendo; em seguida passa a informação para a imprensa de todo o mundo.
Em maio de 1938 Marie deu inicio à difícil tarefa de conseguir vistos de saída para várias pessoas, onde incluía, além da esposa de Freud, sua cunhada, sua filha, seu médico e duas empregadas domésticas.
Duas personalidades foram fundamentais para o sucesso da empreitada, o Presidente Franklin D. Rooselvelt que convocou o embaixador alemão em Washington para solicitar, oficialmente, a liberação dos vistos e, por incrível que pareça, Benito Mussolini, chefe do fascismo na Itália e aliado de Hitler, que enviou telegrama à chancelaria alemã, pedindo noticias de Freud.
Freud e sua família viajaram de trem; desembarcaram em Paris na gare L’Est, onde uma multidão de pessoas os aguardavam; Marie Bonaparte estava lá! (uma fotografia da época mostra-a com seu perfil alto e elegante, trajando uma estola de pele no ombro, um chapéu com arranjos de flores e um vestido, aparentemente de seda, cheio de plissados, segurando o braço de Freud, para facilitar sua caminhada – S. Freud-His life in pictures and words; James Strachery, Great Britain, 1978).
O resto da história é por demais conhecida, depois de Paris Freud viajou para Londres onde viveu até falecer em setembro de 1939, tendo ao seu lado, sua fiel escudeira, a Princesa Marie Bonaparte.
Poucos meses antes de morrer, Freud escreveu uma bela carta a Marie e que está inserida na coletânea publicada pelo seu filho Ernest L. Freud (Sigmund Freud, Correspondência de Amor e outras cartas, Ed. Nova Fronteira, 1982)
“Não lhe escrevo há muito tempo. Suponho que você saiba por que, e possa até constatar pela minha caligrafia (nem a caneta é mais a mesma; como meu médico e outros órgãos externos, ela me deixou). Não estou bem; minha doença e as seqüelas do tratamento são responsáveis por este estado, mas em que proporção não sei. As pessoas estão procurando embalar-me em uma atmosfera de otimismo dizendo que o carcinoma está diminuindo e que os sintomas de reação ao tratamento são temporários. Eu não acredito e não gosto de ser enganado. Algum tipo de intervenção que interrompesse esse processo cruel seria muito bem-vindo.Abraço afetuoso, penso muito em você!”

VÁRIAS VISÕES DE VIENA ou A MATURIDADE MODIFICA A VISÃO

Quando estive em Viena no inicio da década de 1970 animava-me, exclusivamente, o aspecto turístico da viagem; estava envolvido com as imagens coloridas dos filmes musicais que assistira quando criança e adolescente.
Procurei “reencontrar” os seus decantados bosques, embalar-me, se possível pessoalmente, com as valsas de Strauss, principalmente o “Danúbio Azul” e o “Canto dos bosques de Viena”, procurei vestígios da “Família Trap” e, com as ilusões dos meus olhos de sonhador, admirar as águas azuis do rio Danúbio.
Tinha um encontro marcado com Sissi, a Imperatrz, no Palácio de Schonbrunn, precisava certificar, pessoalmente, o local onde morara a família de Dona Leopoldina, ex-esposa do nosso Imperador Dom Pedro I e ver as pinturas que retratavam nossos antepassados.
Não conheci Viena! Naquela época não conhecia sua história, suas artes e sua literatura; principalmente não percebi, com os olhos curiosos do historiador que ainda não era, que Viena ainda mostrava sinais da destruição provocada pela segunda guerra mundial, terminada há menos de três décadas.
A partir da década de 1980, voltei várias vezes a Viena, agora, embora ainda turista, com visão mais humanística da vida que nos rodeia; cada reencontro, escudado nas leituras que iam sendo acumuladas pela maturidade intelectual, trouxe-me sedimentação de cultura.
Certa feita, sentado a uma mesa de um café situado na ringstrasse, enquanto saboreava um cappuccino, folheava um livro que adquirira em uma livraria nas imediações, escrito por um americano de nome Carl Schorske (Fin-de-siécle Vienna - Politics and Culture - Viena fim de século, política e cultura); inteirei-me de alguns fatos ligados a esta tão importante via publica.
Após a revolução de 1848, as forças liberais que assumiram o governo Austríaco, embalados pelas idéias do modernismo que assolavam a Europa, resolveram construir esta via, com quatro quilômetros de extensão, que circunda a chamada parte velha de Viena; para muitos historiadores esta construção representou uma mudança estética e política da cidade.
Viena foi, possivelmente, o ultimo bastião europeu das fortificações ao redor de uma esplanada de construções que serviam como centro administrativo do Império e que se mantinha isolado dos seus subúrbios, como mostra um mapa de 1844, inserido no citado livro.
No lugar desta fortificação, construiu-se a ringstrasse e optou-se, ao longo da sua extensão, pela construção de uma série de edifícios públicos com vários estilos arquitetônicos, como o neogótico, neobarroco, neorenascentista e neoclássico.
A leitura daquele livro levou-me, em uma outra oportunidade, década de 1990, a procurar o local onde freqüentavam, no final do século 19 e inicio do 20, os escritores e os poetas austríacos.
O café Griensteidl, localizado na Michaelerplatz, tem uma história inacreditável, digna de ser mencionada, senão vejamos: foi inaugurado em 1847 dentro do espírito de todos os “Wienerkaffeehaus”; ali o freguês pode permanecer o dia todo, consumindo apenas água, aliás, gratuita e renovável por garçons sempre simpáticos; funcionou até 1897, portanto durante cento e cinqüenta anos e foi reaberto em 1990 e continua com as mesmas características de antigamente, como pude constatar pessoalmente.
Semelhantemente ao que ocorria no Rio de Janeiro, em datas semelhantes, onde um grupo de intelectuais da época (Olavo Bilac, Guimarães Passos, Emilio de Menezes. José do Patrocínio, Bastos Tigres, dentre outros) freqüentavam as confeitarias Pascoal e Colombo, situadas as ruas Gonçalves Dias e Ouvidor, respectivamente (O Rio de Janeiro do meu tempo, Luiz Edmundo, Ed. Conquista, 1957) também em Viena os intelectuais escolhiam os cafés para os seus encontros, o Griensteidl era o preferido por um grupo, autodenominado Jung wien (jovens de Viena).
Arthur Schinitzel médico por insistência do pai, porém, com a mente toda voltada para a literatura, era o timoneiro deste grupo que incluía, dentre outros o escritor e ensaísta Alfred Polgar, o poeta, contista e romancista Peter Altenberg, o poeta, ensaísta e jornalista Karl Kraus e o romancista de primeira grandeza, premio Nobel de Literatura, Herman Broch.
No final do século 19 e inicio do 20, Viena era considerada a cidade com melhor padrão de vida da Europa, era o centro de arte moderna e da cultura, era o período Austro-Húngaro, quando sua população triplicou, passando de 730.000 em 1880 para 2.100.000 em 1910.
Daquele grupo habituée do café Griensteidl, Schinitzel era, de longe, o de maior talento, tendo sido um dos precursores do romance realista em língua alemã, haja vista o seu livro “Crônica de uma vida de mulher” (Ed. Record, 2008).
Por ter estudado psiquiatria, interessou-se pela hipnose, tendo, inclusive antecipado idéias a serem preconizadas por Freud na descoberta da psicanálise.
Em 1983, conforme anotação na folha de rosto, veio-me às mãos o livro “A Morte de Virgilio” (Ed. Nova Fronteira, 1982, autor Hermann Broch), como vimos, pertencente ao grupo de Schinitzel; abandonei-o por considerá-lo com linguagem hermética e de difícil leitura, provavelmente ainda traumatizado pela tentativa de ler, sem sucesso e na mesma época, o livro Ulisses de James Joyce, ambos com estrutura semelhante: monólogo intimo.
Pretendo dar continuidade a estas discussões no próximo numero do Suplemento e, também, voltar a enfrentar o desafio de ler estes dois livros.

DISCUSSÕES ENTRE DOIS SACERDOTES CATÓLICOS E DOIS JÓVENS NA PROCURA DE DEUS NOS ANOS DE 1960

Li, com muito prazer, os textos publicados semanalmente no Diário da Manhã, pelo meu confrade da Academia Goiana de Letras Dr. Alaor Barbosa, intitulados “Conversando com Frei Thomas Cardonnel”.
Qualquer um ficaria, logicamente me incluo neste rol, honrado de pertencer ao mesmo sodalício que este notável homem de letras, cuja produção literária ultrapassou os limites do Brasil e agora é editado em Portugal, onde acaba de ser premiado....
No texto do dia 30 de setembro, Alaor faz algumas introspecções que definem a sua formação filosófica, pelo menos naquela quadra da sua existência (anos de 1960); não sei se ele permanece com o mesmo cepticismo com respeito à existência de Deus; provavelmente tenha mudado de opinião, pelo que pude perceber nas entrelinhas do rodapé do texto, onde ele faz questão de assinalar duas datas distintas (Morrinhos, julho e dezembro de 1966 e Brasília e Goiânia, outubro de 2009) assinalando, com este detalhe, dois períodos distintos da sua vida.
Chama a atenção, também, o fato dele conjugar o verbo no passado (...minha falta de sentimento de Deus eram sérios e profundos; ...eu era filosoficamente impermeável à idéia de Deus; ...eu considerava Deus uma idéia absurda...)
Alaor e eu, ambos em plena juventude, vivemos um dos momentos mais conturbados do século XX (anos de 1950 e 1960), época em que fomos envolvidos por um torvelinho de acontecimentos sociais que dividia o mundo em duas correntes distintas: socialismo e capitalismo.
Embarcamos, eu especialmente, já que não posso falar por ele, na nau das ilusões pregadas pelos construtores de um mundo novo; achávamos que poderíamos mudar o ritmo da história, criando uma nova sociedade igualitária, espelhada no apregoado sucesso do regime Soviético.
Também eu tive um Frei com quem conversar, chamava-se Padre Gustavo Pereira, sacerdote e médico que morava na nossa Casa do Estudante Universitário do Paraná,
local onde residi por seis anos (Entre o Sonho e a realidade, Brasil dos anos 60 e Rússia dos anos 90, Ed. Kelps, 2001, Goiânia).
Tive, também, minha fé abalada pelo proselitismo marxista; meu único contraponto confiável era o Padre Gustavo que me repetia o que dizia o escritor Henri Chambre no seu livro Le Marxismo en Union Soviétique, 1955: “Hoje, como ontem, o marxismo leninista desencadeia a mesma luta ativa contra Deus e tudo que possa lembrar ao homem a existência de Deus”, ou Hans Driesch no A Superação do Materialismo, 1935: “O materialismo, como ensaio de uma explicação científica do mundo fracassou completamente”.
Posso afirmar, com absoluta convicção, insistia Padre Pereira, “não é possível conciliar o Cristianismo com o socialismo, dia virá e você ainda verá, que a máscara vai cair e então iremos repetir uma imagem criada por Nietzche: Passeia-se, sem a menor cautela, por sobre o gelo, embora já sopre o vento da primavera e a fina camada esteja prestes a quebrar”, a crença religiosa é antagônica da dialética marxista; o ateísmo, na pregação do próprio Lênin, é o ponto culminante, a pedra de toque para a procura da perfeição do provável regime dos sonhos.
É enganoso, continuava ele, discutir o marxismo como mera doutrina econômico-social, lembre-se do que dizia Karl Marx “A profunda Alemanha não pode fazer a revolução sem fazê-la pela raiz; a cabeça da emancipação do homem é a filosofia marxista” (O Ateísmo Moderno, Georg Siegmund, Ed. Loyola, 1966).
Seria o marxismo uma simples filosofia? Lembro que indaguei ao Padre Pereira, após ouvir esta citação de Marx que ele fez; não, não é, o que levou o bolchevismo à vitória na Rússia, foram as energias de uma crença messiânica do povo soviético que julgava encontrar neste movimento a realização de suas aspirações seculares, uma saída libertadora, o encontro de um reino de Deus aqui na terra, como lhes era apregoado.
Hoje, vivendo na planície da vida, penso que esta fé tão simplista para alcançar suas realizações, não levou em consideração o fato de que a “roda” da historia gira, colocando em cima o que estava em baixo e o que estava em baixo em cima.
Depois de mais de cinqüenta anos de regime materialista, pude observar, na viagem que fiz à Rússia em 1990 que a religiosidade e a fé na salvação eterna não haviam acabado, e, sobretudo, a afirmação de que a religião havia envelhecido e morrido na alma do povo russo, estava errada, apenas estava adormecida!

ANDRÉ GIDE e OSCAR WILDE – Vítimas do preconceito

André Gide nasceu em Paris em 1869 e Oscar Wilde em 1854 em Dublin, na Irlanda, portanto quinze anos separavam estas duas criaturas que viriam a ser geniais cultores das artes e da literatura.
A Inglaterra vivia sob o domínio da chamada era Vitoriana, com todos os costumes e tradições arraigadas na sua sociedade, ao passo que Paris já respirava os ares da liberdade de costumes e principalmente de pensamento.
A primeira vez que se encontraram foi em Paris em novembro de 1891; naquela época Gide estava com 22 anos de idade e acabara de publicar seu primeiro livro de poesias, Os Cadernos de André Walter, enquanto que Wilde, com 37, já desfrutava de grande sucesso, desconcertando o meio intelectual de Londres e já insinuava ser homossexual, tendo assumido esta condição nesta mesma época, ao se aproximar perigosamente de Lord Alfred Douglas, com quem passa a ter, escandalosamente, para a época, um relacionamento fora dos padrões convencionais.
O Wilde que Gide conheceu já era um verdadeiro “Dandy”; vestia-se e comportava-se de maneira espalhafatosa, chamando a atenção para sua pessoa em qualquer ambiente que frequentasse; vivia acima dos seus rendimentos, já era admirado e odiado e sua fama ultrapassara os limites da fronteira da Inglaterra.
Encontraram-se, praticamente, todos os dias, durante três semanas, quando conversavam horas a fio, Gide não resistiu ao encantamento espiritual de Wilde, como registrou em seu diário em 1892, tendo, inclusive, o retratado em um dos seus personagens (Menalque) ao escrever Frutos da Terra, em 1897.
Depois deste primeiro episódio, impulso precursor de uma grande amizade, voltaram a se encontrar em vários outros lugares, com Wilde, pela sua forte personalidade, dominando o relacionamento entre ambos.
Seguiram seus caminhos; Wilde atingiu o apogeu da glória almejada por qualquer escritor, seus aforismos eram repetidos em todos os salões, a imprensa ocupava-se das suas movimentações diárias, seus livros e suas peças teatrais eram sucessos de público e crítica; no entanto, seu relacionamento homossexual com Alfred Douglas levou-o à ruína, acabando por ser condenado à prisão, com trabalhos forçados, por um tribunal inglês (Oscar Wilde, sua vida e confissões, Frank Harris, Cia. Ed. Nacional, 1939; Oscar Wilde, Richard Ellmannn Cia. das Letras, 1987).
Gide só teve reconhecimento do público e da crítica já na fase tardia da sua vida, após a segunda guerra mundial, com idade acima de cinquenta anos; embora já tivesse publicado algumas das suas obras primas, foi somente após a aparição de Frutos da Terra que ele realmente passa a ser lido e discutido e é justamente quando passam a acusá-lo de contaminar a juventude e desonrar as letras francesas pela sua atitude de assumir, gradativamente, a sua personalidade homossexual.
Gide enfrentava um grande conflito vivencial; seu amigo Claudel escreveu-lhe cobrando-lhe uma posição perante o que ele havia lido nas páginas da Nouvelle Revue Française: “Por Deus Gide, como pôde escrever a passagem que encontrei na página 478 da NFR?”.
Gide não teve coragem de confirmar sua “idiossincrasia” diante da interpelação do amigo, preferiu responder: “Eu amo minha mulher, mais que a vida, porém, não escolhi ser assim, não posso escolher os objetos dos meus desejos”; Claudel não aceita a resposta e contra-ataca: “Você não pode se considerar vítima de uma idiossincrasia fisiológica, seria fácil demais; depois, o homossexualismo dá brilho e chama a atenção”. (Século dos Intelectuais, Michel Winock, Bertrand Brasil, 2000).
Em 1926, após a publicação de Si le grain ne meurt (Se o Grão não Morre, 2ª. edição, Ed. Nova Fronteira, 1982) livro autobiográfico, ele assume, em público, sua condição de homossexual, narrando, inclusive, uma das suas aventuras ocorrida em 1895, quando se deparou, provavelmente por acaso, com Wilde na cidade de Blida, na Argélia, (muito frequentada por ingleses em busca de garotos de programa) onde encontraram alguns “belos como estátuas de bronze”.
Enquanto Wilde teve um final de vida conturbado, Gide manteve-se em triunfo até sua morte aos 82 anos de idade; pertenceu à grande geração de Proust e Claudel, encarnando uma das personalidades mais fascinantes da literatura francesa no século passado e teve a glória que não foi reservada ao seu amigo Wilde, recebeu o prêmio Nobel de Literatura.
Dele, para concluir, ouçamos o que disse Jean-Paul Sartre em 1951:
“Todo o pensamento francês destes últimos trinta anos, independentemente de quaisquer coordenadas, Marx, Hegel, Kierkegaard, quisesse ou não, tinha de ser definido, também, em relação à Gide“.

COMO ELES (OS ESCRITORES) DESCREVEM OS AMBIENTES

O narrador de um texto literário, principalmente do romance, pode, dependendo do desenvolvimento da ação e, principalmente da intenção do autor, se colocar como participante ou um mero expectador privilegiado que conhece o terreno que o personagem está pisando.
A descrição do ambiente onde se desenrola a ação pode definir a capacidade de comunicação entre o autor e o público ledor; se houver descrição pormenorizada de detalhes, poderá tornar a leitura cansativa e consequente descontinuidade da leitura, porém, se for muito econômica, poderá não transmitir a idéia que o autor tem em mente.
A arte está na capacidade de, ao narrar, o autor deixar, nas entrelinhas, possibilidade para o leitor completar os detalhes, de acordo com a sua sensibilidade e, principalmente, sua imaginação; em outras palavras, ele “ajuda” o autor a escrever o livro.
Machado de Assis sabia, como ninguém, a arte da narrativa; suas frases são curtas, diretas, pouco adjetivadas, tomava fôlego na construção da sentença, com o abusivo (abusivo?) uso da vírgula.
Vejam comigo esta descrição de ambiente encontrado no romance Quincas Borba (inicio do capítulo III); o narrador (Machado de Assis), espírito bisbilhoteiro, por conhecer os costumes da época, brinca com o personagem (o novo rico Rubião), vivendo em um mundo que não era o dele):
“Um criado trouxe o café. Rubião pegou na xícara e, enquanto lhe deitava açúcar, ia disfarçadamente mirando a bandeja, que era de prata lavrada. Prata, ouro, eram os metais que amava de coração; não gostava de bronze, mas, o amigo Palha disse-lhe que era matéria de preço, e assim se explica esse par de figuras que aqui está na sala, um Mefistófeles e um Fausto. Tivesse, porém, de escolher, escolheria a bandeja, - primor de argentaria, execução fina e acabada”.
Outras vezes o narrador conhece o ambiente atual e tenta descrevê-lo, pela necessidade da ação, como se estivesse no remoto passado de mais de cem anos atrás (Couto de Magalhães, o Último Desbravador do Império, Hélio Moreira), como veremos neste trecho (pag.130)
“Foram minutos de enervante expectativa, Couto aproveitou para folhear alguns papéis que estavam dispostos sobre uma pequena mesa de centro, colocada bem próxima da poltrona onde ele se alojara.
A sala onde ele estava era ornada por um mobiliário que, absolutamente, não pecava pela extravagância; duas ou três poltronas de couro preto, dois elegantes e vistosos pares de cadeiras de espaldares altos com assento em palha, um grande relógio carrilhão, duas ou três gravuras expostas nas paredes, que, aliás, eram recobertas por um papel com cores discretas, ao invés da tradicional pintura.
Um grande cabide, um porta chapéus e um porta guarda-chuvas se localizavam nas imediações da porta de entrada; completando o conjunto, podia-se ver um banco de madeira de cor escura, definindo, em quase todas as residências londrinas, como sendo o local para se colocar o sobretudo; o assoalho era todo atapetado, dando ao ambiente um requinte que poderia ser superponível ao da nobreza”.
A “Prima Bete”, inserido no conjunto da “Comédia Humana” é, provavelmente, um dos mais importantes romances de Honoré de Balzac, pois foi escrito em sua fase de maturidade literária.
Destaco um trecho (1º. Capítulo) em que o personagem Crevel (oficial da Guarda Nacional) examinava o mobiliário do aposento onde se encontrava, enquanto aguardava a chegada da baronesa, com quem viera tratar de negócios: casamento.
O leitor, pela descrição do ambiente, consegue descobrir a situação financeira da dona da casa e do oficial.
“Observou as cortinas de seda, primitivamente vermelhas e já arroxeadas pela ação do sol, puídas nas pregas por longo uso: o tapete desbotado; os móveis desdourados, cuja seda, muito gasta, apresentava manchas; e expressões de desdém, contentamento e esperança se sucederam ingenuamente na cara larga do comerciante enriquecido. E ele se mirava ao espelho colocado em cima dum velho pêndulo do Império, procurando compor-se quando o roçagar do vestido de seda anunciou a entrada da baronesa. O capitão assumiu então uma posição conveniente.
Sentando-se num pequeno sofá, que certamente fora muito bonito há 40 anos, a baronesa indicou a Crevel uma poltrona, que, na extremidade dos braços, tinha cabeças de esfinges bronzeadas, cuja pintura, entretanto, estava escamada, a ponto de deixar ver a madeira. Convidou-o a sentar-se”
Madame Bovary, de Flaubert, é um marco do romance descritivo; o autor é minucioso nas descrições dos ambientes, porém, não é enfadonho.
No inicio do capítulo VI, há uma maravilhosa descrição da Vila, vista por Emma, na voz do narrador:
“Uma vez, quando a janela estava aberta e ela sentada no peitoril, ouviu o Ângelus.
Era o inicio de abril, quando as primaveras se abrem; um vento morno rola nos canteiros lavrados e os jardins, como as mulheres, parecem enfeitar-se para as festas do verão.
Por entre os barrotes do caramanchão e ao redor, mais além, via-se o rio na pradaria que desenhava na relva sinuosidades vagabundas”
Parece que, também, vemos a paisagem com os olhos de Bovary.


A CERIMÔNIA DO ADEUS NA LITERATURA

Cada escritor, na sua luta para encontrar a sintonia das palavras com o ambiente que está descrevendo nas suas resenhas literárias (romance, crônica ou conto), muitas vezes veste a roupa do personagem e finge que mantém a necessária equidistância do narrador.
Se a cena descreve a despedida de dois apaixonados, a dificuldade pode ser maior pela necessidade de se fugir da pieguice ingênua ou do diálogo que não transmite a emoção necessária e desejada pelo autor; ambas as situações poderão comprometer todo o trabalho literário.
Transcrevo, a seguir, trechos de dois livros, onde esta temática esteve presente; no livro “Diário de Moscou” (Cia. das Letras, 1989), o autor, Walter Benjamim, narra um destes momentos, com maestria e, sobretudo, enorme carga emocional.
Para que os leitores possam sentir todo o arrebatamento da cena, permito-me tecer, em rápidas palavras, algumas considerações sobre o citado livro.
Walter Benjamim, filósofo, escritor e ensaísta alemão empreendeu em 1926, uma viagem a Moscou, com três finalidades: reencontrar um grande amor, uma jovem letã de Riga de nome Asja Lacis, atriz de teatro e revolucionária comunista, que ele conhecera em Capri em 1924; em segundo lugar estudar a situação política, social e literária da Rússia pós-1917, já sob a tutela de Stalin e, finalmente, cumprir compromissos literários com uma revista alemã que custeou sua viagem (escrever sobre a vida na Rússia).
O segundo objetivo deixou marcas profundas na sua sensibilidade, pois ele teve amargas decepções com a realidade local, principalmente se levarmos em consideração as expectativas otimistas que o animaram a fazer a viagem.
Paulatinamente, a leitura do livro vai mostrando, página após página, que Benjamim perdia todas as ilusões que havia nutrido por vários anos de militância no movimento esquerdista; a decepção da experiência levou-o, mais tarde, a desistir da sua possível filiação ao Partido Comunista Alemão, projeto que analisava há mais de dois anos.
O terceiro objetivo, felizmente para a literatura, foi cumprido; nada menos que quatro publicações e um extraordinário ensaio, que ele denominou “Moscou”, foram publicados a partir de 1927.
Não resta dúvida que a figura de Asja Lacis domina as páginas do livro, embora fosse a razão principal daquela sua viagem, o relacionamento entre os dois foi muito difícil e problemático; ao lado da atração erótica, ela exercia sobre ele uma enorme influência intelectual.
Para agravar a situação, Asja encontrava-se doente e hospitalizada em um sanatório; o tempo que conseguem ficar juntos, o fazem, em grande parte, no quarto dela no hospital, levando-a a ficar muito afastada dele.
Está relatado, com cruel exatidão, o tempo que ele espera, em vão, por Asja; e sua repulsa, até com certa dose de cinismo erótico, aos acontecimentos que ele não conseguia dominar.
Depois de “suportar” por pouco mais de 30 dias esta pressão, ele resolveu partir; a cena da despedida, que transcrevo abaixo, é uma das mais belas da literatura; embora fosse real, qualquer romancista a copiaria em uma grande obra de ficção; sugiro ao leitor que imagine a cena ocorrendo em uma rua deserta de Moscou coberta de neve, vento gelado congelando a voz da despedida e o aceno que ia desaparecendo à medida que empalidecia a claridade do crepúsculo e o trenó distanciava.
“Finalmente, como só restavam poucos minutos, minha voz começou a falhar e Asja notou que eu estava chorando. Então ela disse: “Não chore, senão vou acabar chorando também e uma vez quando começo, não consigo parar tão facilmente como você”. “Abraçamo-nos com força e saí do quarto com minha mala. Asja seguiu-me; pedi-lhe em seguida que chamasse um trenó. Mas quando eu estava para subir, tendo já me despedido dela mais uma vez, convidei-a para ir comigo até a esquina da Tverskaia. Lá ela desceu e, quando o trenó já estava começando a andar novamente, puxei de novo sua mão para os meus lábios, no meio da rua. Ficou lá, durante muito tempo, acenando. Acenei de volta, do trenó. Primeiro, pareceu-me que ela olhava para trás enquanto andava, depois não a vi mais. Com a enorme mala no colo, chorando pelas ruas já sob a luz do crepúsculo, continuei até a estação ferroviária”.
Outra cena que gostaria de reportar é o da despedida de Couto de Magalhães da sua namorada Inglesa de nome Lily (Couto de Magalhães, o último desbravador do Império - Hélio Moreira, Ed. Kelps-Goiânia,2005).
“Encontrou-a, novamente, chorosa e pouco receptiva, sentou-se na cadeira de espaldar que estava na sala, permanecendo em silêncio, com os olhos fechados, aguardando a possível mudança de humor de Lily; felizmente demorou pouco aquela situação.
- Meu querido, não gostaria de fazer-lhe nenhuma recriminação, porém, você deve se lembrar de todas as coisas que aconteceram entre nós, ou você já se esqueceu? Eu nunca acusei você de nada, minhas dores, minhas aflições pela minha separação da minha mãe, carreguei sempre comigo e calada.
A facilidade com que você me diz agora, simplesmente: peço-lhe perdão, mas eu não a amo mais! Você me amou alguma vez? Sua indiferença causa-me tristeza, profunda tristeza; ocultei-te, inclusive, minhas lágrimas, vertidas em momentos de solidão. O que realmente eu fui para você? Não ficará nada deste nosso relacionamento? Seus sentimentos são indecifráveis para mim, mas sei que você vai se lembrar de mim, de nós; quando isto acontecer, faça seu pensamento atravessar o oceano e irá encontrar-me envolvida com a minha solidão. Não se acanhe, nestas horas, fale comigo, ninguém notará, porque a linguagem do sentimento, em algumas oportunidades, não precisa de vocalização e só é inteligível para quem se expressa.
Continuarei minha vida, imaginando que você estará sozinho; conseguirei vê-lo como se estivesse num porta-retratos. Por que fui amar você, se eu sabia que um dia isto iria acontecer? A partir de agora só tenho um sentimento na minha alma: odeio a mim mesma por não ter-me preparado adequadamente para este dia; odeio você, infinitamente odeio você!
- Lily, não fale coisas das quais você poderá se arrepender depois, todos nós podemos transformar nossas vidas em um maravilhoso jardim ou em um árido deserto! Tudo o que está acontecendo traz, para mim e para você, sofrimento e tristeza!
Seu desapontamento é como uma ferida que machuca seu amor próprio; para mim é uma profunda tortura moral, pior que a dor física. Quer saber por quê? Você é a matéria e eu sou a idéia, você é o barro, eu sou o artesão. Nossa separação traz-me revolta contra as leis da razão, à qual estou ligado umbilicalmente pelos tempos que virão.
Eu poderia, para facilitar minha posição, assumir a postura de Ovídio na “Arte de Amar”: “Semeai promessas: a ninguém causam desfalque, e o mundo é rico em palavras. A esperança, quando nela outros creem, faz ganhar muito tempo”.
Lily estava agora mais calma, aproximou-se da poltrona onde Couto estava sentado, ajoelhou-se e deitou seu rosto nas suas pernas; carinhosamente ele acariciou seus cabelos e os dois permaneceram em silêncio por muito tempo. Depois, levantaram-se de mãos dadas e dirigiram-se para o quarto, onde amaram como nunca fizeram antes!”

SEMANA DE ARTE MODERNA- 13 a 18 DE FEVEREIRO DE 1922

Provavelmente nem os seus idealizadores, conhecidos como o “grupo dos cinco” (Mario e Oswald de Andrade, Menotti Del Picchia, Tarsila do Amaral e Anita Malfatti) e, tampouco, o público que lotou as dependências do teatro Municipal de São Paulo naquela noite de 13 de fevereiro de 1922, poderiam imaginar que aquela solenidade teria a repercussão que teve, transformando-se em um marco histórico para a cultura de São Paulo e, por extensão, do Brasil.
Se fizermos uma retrospectiva histórica, podemos considerar que aquele movimento, semana de arte moderna, ocorreu com alguma defasagem no tempo, senão vejamos:
Desde o século XVIII, com Voltaire (heresia anticlerical) e os Iluministas, com idéias que batiam de frente com o modus vivendi, acentuando-se a partir da metade do século XIX, a vanguarda cultural européia já estava envolvida e, principalmente, discutindo o termo modernismo e os seus desdobramentos.
Embora, ainda hoje, seja difícil definir o que seja esta expressão, ela era utilizada para todo tipo de inovação ou originalidade em qualquer das manifestações das artes, como a pintura, escultura, poesia, prosa, dança, música, arquitetura, teatro e o cinema.
Os adeptos desta nova corrente eram contra a moderação, por considerá-la uma atitude burguesa e tinham como axioma algumas afirmações consensuais: Melhor que o conhecido era o desconhecido, melhor que o comum é o raro, o experimental é mais atraente que o rotineiro.
Peter Gay (Modernismo- o fascínio da heresia, Cia. das Letras, 2009) nomina Charles Baudelaire como o primeiro herói do modernismo; com a publicação de seu livro de poemas intitulado, Flores do mal, ele foi parar na Corte de justiça e obrigado a retirar daquela edição alguns poemas considerados obscenos.
Pela mesma época, outro romancista, Gustave Flaubert, também sofreu processo por supostas obscenidades contidas no seu livro Madame Bovary; o que os juízes não perceberam ou, pelo menos, não discutiram, foi a fúria antiburguesa do autor, levando-o, inclusive, à incapacidade de descrever os personagens (burgueses) com isenção de ânimo. Era o pensamento consentâneo com a onda modernista; a aversão ao burguês e ao conservadorismo era tão extremada em Flaubert que ainda hoje assustamos com o tratamento dado à sua personagem Madame Bovary, dissecando-a como faria um cirurgião (J.Lemot, Gustave Flaubert dissecando Madame Bovary – Parodie “gravuras”, 1869).
Na pintura deve ser destacada a figura de Manet com a tela Olympia, cuja mulher nua, em posição desafiadora, chocava o público não acostumado com o realismo.
Se quiséssemos definir um período para situar o auge das idéias modernistas, poderíamos, sem medo de errar, indicar as quatro décadas compreendidas entre os anos de 1880-1920 (dadaísmo, cubismo, impressionismo, romances realistas, onde os romancistas passaram a investigar o sentimento dos personagens).
Voltando à nossa discussão sobre os acontecimentos no Brasil, quando focamos a sua origem na conjunção de esforços daquele chamado “grupo dos cinco”, chama-nos a atenção dois fatos: as figuras de Oswald e Mario de Andrade, realmente os articuladores do movimento e o momento da realização do evento, após o término da primeira guerra mundial, quando uma onda de patriotismo assolava a Europa, extrapolando as suas fronteiras (A Semana de 22: Revolução Estética? - Márcia Camargos, Cia. Ed. Nacional, 2007).
Como aconteceu no passado (Flaubert, Picasso, Dali e outros, ficaram ricos à custa dos burgueses que eles combatiam, porém, compravam suas produções), os nossos modernistas contaram com a ajuda dos burgueses para poderem realizar a semana (Paulo Prado e Olivia Guedes Penteado, dentre outros) que garantiram o aluguel do Teatro Municipal de São Paulo e no final pagaram o prejuízo.
Na noite de estréia o auditório estava lotado, com a aristocracia toda engalanada, trajando fraque e cartola, inclusive o Governador do Estado de São Paulo, Washington Luiz e o Prefeito; coube a Graça Aranha fazer a conferência de estréia, “A emoção estética da arte moderna”.
Texto monótono e interminável, provavelmente de propósito, baseado no mesmo diapasão: “Daqui a pouco, junto com outros disparates, uma poesia liberta, uma música extravagante, virão revoltar os movidos pela força do passado”; depois se apresentou Villa-Lobos, usando chinelos; Menotti Del Picchia foi vaiado e Oswald de Andrade recebeu uma saraivada de batatas oriunda dos estudantes.
O curioso, como acentua a jornalista e escritora Márcia Campos (citada acima), “um evento ignorado pelo grande público, criticado pela maioria da imprensa e tido como gozação pelos organizadores, acabou transformando-se em um marco histórico da cultura brasileira”.
Ainda hoje a semana de 22 continua emblemática no imaginário das letras e das artes plásticas.

segunda-feira, 21 de junho de 2010

NAQUELE TEMPO, PARIS ERA UMA FESTA!

Na época do Império, todo literato que militava nas letras brasileiras tinha um sonho: Ir à Paris, fonte e sustentação de toda a cultura mundial da época; o francês era a segunda língua da elite intelectual brasileira.
Por muito tempo, ainda,Paris cidade continuaria a ser considerada a Meca da cultura universal; por uma questão de justiça histórica, somos forçados, se voltarmos alguns séculos na história, a aceitar que a pujança desta “República das Letras” nos remete, inclusive, ao século XVII com a força literária de Racine ou de Moliére, de Voltaire, Diderot, Rousseau, Danton e Marat no século XVIII, e Sainte-Beuve, Zola, Maupassant no século XIX. (A Rive Gauche, Herbert R. Lottman, Ed. Guanabara, RJ, 1987).
O nome, “República das Letras”, na verdade foi cunhada pelo escritor e, muitos anos depois, membro da Academia Francesa de Letras, Jean Guéhenno para identificar a Rive Gauche (lado esquerdo do rio Sena), local onde ele morava nos anos 30 do século passado; diz ele “Ela, a república das Letras, está contida em algumas casas parisienses, numas poucas e amontoadas redações de revistas e editoras, em alguns estúdios de desenho, alguns cafés, alguns ateliês de artistas e alguns sótãos. Não é fácil penetrar nesse mundo. O verdadeiro diálogo se dá entre algumas dezenas de escritores que se aceitam uns aos outros, e só isto..”
O bairro Montparnasse era o que havia sido anteriormente Montmartre, o local identificador desta efervescência de idéias, especialmente pela presença, ali, de uma infinidade de cafés, onde se reuniam os intelectuais, cujas produções culturais, artísticas e, inclusive, suas frustrações amorosas, eram discutidas com todos os freqüentadores e, quiçá, com o resto do mundo.
No entanto, o “ponto” mais famoso de encontro da intelectualidade da época, Saint Germain-des-Prés, surgiu com a repentina aparição de André Breton e seu grupo de surrealistas, que começaram a freqüentar o Café Deux Magot, além de Picasso que passou a freqüentar o café Flore.
A França vivia o tempo de intervalo entre duas guerras; havia o desejo de sublimar os efeitos, ainda muito vivos, das feridas causadas pelo conflito da primeira guerra mundial e a incerteza do porvir, que já escurecia o céu no horizonte das nações que alguns anos depois iriam entrar em conflito, arrastando nesta avalanche, como sabemos, novamente a França e o mundo de sonhos deste grupo de intelectuais.
Como soi acontecer quando se reúne uma miríade de livres pensadores, havia, ali também, um emaranhado de díspares visões críticas e políticas, para se falar o mínimo.
No entanto, sentavam-se às mesmas mesas, discutiam, se agrediam mutuamente, às vezes chegavam à via dos fatos, porém, mantinham a harmonia civilizada da aceitação das opiniões dos contrários.
Chama a atenção, consultando a bibliografia à nossa disposição (Shakespeare and company, Sylvia Beach, Casa da Palavra, RJ, 2004; Os exilados de Montparnasse, Jean-Paul Caracalla, Ed. Record, RJ, 2009) que, embora freqüentassem os mesmos lugares, normalmente, os escritores de grande prestigio como Gide, Maurois dentre outros, moravam no Rive Droite (Lado direito do rio Sena), o que era motivo de “desprezo” pelos demais, pois ali era o local das grandes residências e grandes hotéis.
Por outro lado, os moradores da Rive Droit queixavam-se do “preconceito” do Nouvelle Revue Française que afirmava: “... Se uma pessoa não mora na Rive Gauche não se trata de um escritor de verdade”.
Pela mesma época vários escritores norte-americanos (Hemingway, Fitzgerald, Gertrude Stein, dentre outros) também circulavam por estas mesmas ruas, porém viviam, aparentemente, uma vida um pouco apartada dos escritores franceses.
Shakespeare and Company, uma livraria fundada por uma americana de nome Sylvia Beach, localizada na rue de l’Odéon, também, na Rive Gauche, e que tinha uma característica diferente das demais, emprestava livros, era o ponto de encontro desta gente, assim como de alguns outros, como o escritor Irlandês James Joyce, que por qualquer motivo, não tinham disposição para compartilhar a sua mesa de café com desconhecidos e iniciar um diálogo ou talvez uma aproximação literária.
Em “Paris é uma Festa” (Ed. Civilização Brasileira RJ, 1969), Hemingway confirma esta assertiva ao escrever: “Ali era uma lugar acolhedor e alegre, com um grande fogão aceso no inverno, mesas e estantes de livros, novidades na vitrina e, nas paredes, fotografias de famosos escritores vivos e mortos”.
Depois veio a guerra, com todos os horrores que conhecemos, aquelas vozes, tão propensas a aceitarem as discordâncias de pensamento com seus interlocutores, assumiram posições políticas; alguns, na realidade a maioria, permaneceu com o discurso condizente com o seu passado, outros, debandaram para o outro barco, alguns outros, por uma questão de justiça histórica, sem entrar no mérito, permaneceram fiéis às suas idéias e assumiram posições de relevo na nova ordem que se instalou na França ocupada.
O relato da participação da intelectualidade francesa nos acontecimentos da segunda guerra mundial, ainda não está completo, sabemos que muitos foram julgados e condenados pelas suas idéias, outros lutaram e morreram ao lado das forças da resistência, outros, sem alternativa, conseguiram fugir, outros ainda, como André Breton (suposto apoiador dos comunistas) e Victor Serge (apoiador, realmente, de Stalin) se esconderam, junto com alguns outros intelectuais, na zona não ocupada da Franca, nos arredores de Marselha, onde permaneceram por mais de dois anos (Villa Air-Bel-1940, Rosemary Sullivan, Ed. Rocco, RJ, 2006).
A parte lamentável, para dizer o mínimo, do após guerra foi o julgamento daqueles intelectuais que participaram do conflito abastecendo as trincheiras do inimigo, os colaboracionistas.
Porém, esta é outra história!

A CERIMÔNIA DO ADEUS NA LITERATURA.

Cada escritor, na sua luta para encontrar a sintonia das palavras com o ambiente que está descrevendo nas suas resenhas literárias (romance, crônica ou conto), muitas vezes veste a roupa do personagem e finge que mantém a necessária equidistância do narrador.
Se a cena descreve a despedida de dois apaixonados, a dificuldade pode ser maior pela necessidade de se fugir da pieguice ingênua ou do diálogo que não transmite a emoção necessária e desejada pelo autor; ambas as situações poderão comprometer todo o trabalho literário.
Transcrevo, a seguir, trechos de dois livros, onde esta temática esteve presente; no livro “Diário de Moscou” (Cia. das Letras, 1989), o autor, Walter Benjamim, narra um destes momentos, com maestria e, sobretudo, enorme carga emocional.
Para que os leitores possam sentir todo o arrebatamento da cena, permito-me tecer, em rápidas palavras, algumas considerações sobre o citado livro.
Walter Benjamim, filósofo, escritor e ensaísta alemão empreendeu em 1926, uma viagem à Moscou, com três finalidades: reencontrar um grande amor, uma jovem letã de Riga de nome Asja Lacis, atriz de teatro e revolucionária comunista, que ele conhecera em Capri em 1924; em segundo lugar estudar a situação política, social e literária da Rússia pós 1917, já sob a tutela de Stalin e, finalmente, cumprir compromissos literários com uma revista alemã que custeou sua viagem (escrever sobre a vida na Rússia).
O segundo objetivo deixou marcas profundas na sua sensibilidade, pois ele teve amargas decepções com a realidade local, principalmente se levarmos em consideração as expectativas otimistas que o animaram a fazer a viagem.
Paulatinamente, a leitura do livro vai mostrando, página após página, que Benjamim perdia todas as ilusões que havia nutrido por vários anos de militância no movimento esquerdista; a decepção da experiência levou-o, mais tarde, a desistir da sua possível filiação ao Partido Comunista Alemão, projeto que analisava há mais de dois anos.
O terceiro objetivo, felizmente para a literatura, foi cumprido; nada menos que quatro publicações e um extraordinário ensaio, que ele denominou “Moscou”, foram publicados a partir de 1927.
Não resta dúvida que a figura de Asja Lacis domina as páginas do livro, embora fosse a razão principal daquela sua viagem, o relacionamento entre os dois foi muito difícil e problemático; ao lado da atração erótica, ela exercia sobre ele uma enorme influência intelectual.
Para agravar a situação, Asja encontrava-se doente e hospitalizada em um sanatório; o tempo que conseguem ficar juntos, o fazem, em grande parte, no quarto dela no hospital, levando-a a ficar muito afastada dele.
Está relatado, com cruel exatidão, o tempo que ele espera, em vão, por Asja; sua repulsa, até com certa dose de cinismo erótico, aos acontecimentos que ele não conseguia dominar.
Depois de “suportar” por pouco mais de 30 dias esta pressão, ele resolveu partir; a cena da despedida, que transcrevo abaixo, é uma das mais belas da literatura; embora fosse real, qualquer romancista a copiaria em uma grande obra de ficção; sugiro ao leitor que imagine a cena ocorrendo em uma rua deserta de Moscou coberta de neve, vento gelado congelando a voz da despedida e o aceno que ia desaparecendo à medida que empalidecia a claridade do crepúsculo e o trenó distanciava.
“Finalmente, como só restavam poucos minutos, minha voz começou a falhar e Asja notou que eu estava chorando. Então ela disse: “Não chore, senão vou acabar chorando também e uma vez quando começo, não consigo parar tão facilmente como você”. Abraçamo-nos com força e saí do quarto com minha mala. Asja seguiu-me; pedi-lhe em seguida que chamasse um trenó. Mas quando eu estava para subir, tendo já me despedido dela mais uma vez, convidei-a para ir comigo até a esquina da Tverskaia. Lá ela desceu e, quando o trenó já estava começando a andar novamente, puxei de novo sua mão para os meus lábios, no meio da rua. Ficou lá, durante muito tempo, acenando. Acenei de volta, do trenó. Primeiro, pareceu-me que ela olhava para trás enquanto andava, depois não a vi mais. Com a enorme mala no colo, chorando pelas ruas já sob a luz do crepúsculo, continuei até a estação ferroviária”.

Outra cena que gostaria de reportar é o da despedida de Couto de Magalhães da sua namorada Inglesa de nome Lily (Couto de Magalhães, o último desbravador do Império - Hélio Moreira, Ed. Kelps-Goiânia,2005).
“Encontrou-a, novamente, chorosa e pouco receptiva, sentou-se na cadeira de espaldar que estava na sala, permanecendo em silêncio, com os olhos fechados, aguardando a possível mudança de humor de Lily; felizmente demorou pouco aquela situação.
- Meu querido, não gostaria de fazer-lhe nenhuma recriminação, porém, você deve se lembrar de todas as coisas que aconteceram entre nós, ou você já se esqueceu? Eu nunca acusei você de nada, minhas dores, minhas aflições pela minha separação da minha mãe, carreguei sempre comigo e calada.
A facilidade com que você me diz agora, simplesmente: peço-lhe perdão, mas eu não a amo mais! Você me amou alguma vez? Sua indiferença causa-me tristeza, profunda tristeza; ocultei-te, inclusive, minhas lágrimas, vertidas em momentos de solidão. O que realmente eu fui para você? Não ficará nada deste nosso relacionamento? Seus sentimentos são indecifráveis para mim, mas sei que você vai se lembrar de mim, de nós; quando isto acontecer, faça seu pensamento atravessar o oceano e irá encontrar-me envolvida com a minha solidão. Não se acanhe, nestas horas, fale comigo, ninguém notará, porque a linguagem do sentimento, em algumas oportunidades, não precisa de vocalização e só é inteligível para quem se expressa.
Continuarei minha vida, imaginando que você estará sozinho; conseguirei vê-lo como se estivesse num porta-retratos. Por que fui amar você, se eu sabia que um dia isto iria acontecer? A partir de agora só tenho um sentimento na minha alma: odeio a mim mesma por não ter-me preparado adequadamente para este dia; odeio você, infinitamente odeio você!
- Lily, não fale coisas das quais você poderá se arrepender depois, todos nós podemos transformar nossas vidas em um maravilhoso jardim ou em um árido deserto! Tudo o que está acontecendo traz, para mim e para você, sofrimento e tristeza!
Seu desapontamento é como uma ferida que machuca seu amor próprio; para mim é uma profunda tortura moral, pior que a dor física. Quer saber por quê? Você é a matéria e eu sou a idéia, você é o barro, eu sou o artesão. Nossa separação traz-me revolta contra as leis da razão, à qual estou ligado umbilicalmente pelos tempos que virão.
Eu poderia, para facilitar minha posição, assumir a postura de Ovídio na “Arte de Amar”: “Semeai promessas: a ninguém causam desfalque, e o mundo é rico em palavras. A esperança, quando nela outros crêm, faz ganhar muito tempo”.
Lily estava agora mais calma, aproximou-se da poltrona onde Couto estava sentado, ajoelhou-se e deitou seu rosto nas suas pernas; carinhosamente ele acariciou seus cabelos e os dois permaneceram em silêncio por muito tempo. Depois, levantaram-se de mãos dadas e dirigiram-se para o quarto, onde amaram como nunca fizeram antes!”

AMADEUS MOZART – A MÚSICA E A MAÇONARIA, duas vertentes na sua vida

A cidade de Salzburg, localizada na Áustria, perto da fronteira com a Alemanha, incrustada entre as montanhas dos Alpes, é considerada uma das mais bonitas da Europa; o turista que a visita pela primeira vez não deixará de ficar extasiado com a arquitetura das suas casas, das suas ruas e, principalmente, sua aparência de tranqüilidade.
Para todos os lados que nossos olhos se dirijam, veremos montanhas, quase sempre cobertas por neve no seu cume e as geleiras que ao se liquidificarem, escorrem ladeira abaixo para formarem, aqui em baixo, na planície, o rio Salzach que cruza a cidade em toda sua extensão.
Não há como não se extasiar com a beleza dos seus múltiplos jardins, a visão romântica de muitas igrejas, quase todas seculares, com suas torres lembrando o estilo da época medieval, seus castelos, alguns suntuosos como o de Hohensalzburg, localizado em posição proeminente, assombreando, como fazia há muitos séculos, os habitantes da cidade.
Suas alamedas, algumas estreitas e floridas, levam-nos, com pouco esforço imaginativo, de volta a um passado de quase três séculos; misturamos com o gentio do século XVIII, ouvimos o burburinho de carruagens e o tropel de cavalos nas vias pavimentadas de pedra.
Se, nesta viagem, esperamos a chegada da noite, veremos os encarregados da iluminação daquela vila de dez mil habitantes, descerem em algazarra pelas ladeiras, empunhando tochas em suas mãos calejadas da labuta diária.
Neste ambiente bizarro e cheio de contrastes, onde o poder absolutista dos mandarins sobrepunha à vontade de qualquer habitante, onde a promoção social era praticamente impossível e aquele que, embora tivesse algum mérito pessoal, não pertencesse à casta dominante, só atingiria posições de destaque se transigisse nos seus princípios para agradar aos poderosos.
Neste ambiente hostil, porém, romântico pela própria natureza da região, no dia 27 de janeiro de 1756 nasceu Wolfgang Amadeus Mozart, uma estranha força que nasceu com a luz para resplandecer a escuridão dos costumes.
Seu pai, Leopold Mozart foi um músico sem expressão, porém, percebeu que era o pai de um gênio e assumiu esta missão, desde os primeiros sinais do talento musical do filho, estando sempre ao seu lado, tanto na juventude como na vida adulta, passando a viver, daí em diante, praticamente, em função da sua formação.
Mozart viveu sua infância neste ambiente majestoso da natureza, em meio a jardins que emanavam a fragrância das flores trazida pelos ventos dos Alpes que corriam pela planície Bavária.
Dedicava, praticamente, todo seu tempo em função da música; aos cinco anos de idade já compunha, aos seis, fez sua primeira excursão pela Corte de Maximiliano III em Munique, onde se exibiu publicamente, aos sete, excursionou, durante mais de três anos, pela França e Inglaterra. (Mozart, K.Pahlen, Ed. Melhoramentos, 1991).
Por ser considerado gênio e precoce, Mozart era motivo de curiosidade cada vez mais crescente nas cortes européias, sendo, por isto, cada vez mais requisitado para viagens.
Em 1871 casou-se com Constance que lhe deu seis filhos, sendo que apenas dois deles sobreviveram; a luta pela sobrevivência era muito difícil, pois, Mozart nunca conseguiu um cargo publico que lhe desse tranquilidade financeira para trabalhar com a sua musica.
Na sua peregrinação na busca de uma oportunidade, teve que se humilhar, como registra a história, frente ao Arcebispo Hieronymus Coloredo, governante de Salzburg, que o expulsou da sua sala; somente em 1787, quatro anos antes da sua morte, ele foi nomeado para o cargo de Real e Imperial Compositor da Corte, porém, com ordenado, até vexatório, para os padrões da época.
Mozart trabalhava até 14 horas por dia, compondo por encomenda, peças musicais, óperas, sinfonias, além de se apresentar em saraus e concertos.
Foi nesta época que ele se aproximou de um grupo de pessoas que não aceitavam a hegemonia do poder absolutista, discutiam e pregavam a vitória do espírito e do intelecto; estes homens que vieram desempenhar uma grande influência na sua vida eram livres e de bons costumes. Eram os maçons.
É de se ressaltar que pertenciam a esta casta de homens, algumas das grandes expressões da intelectualidade da época, como Goethe, Schiller, Herder e Fichte. Eram os maçons! (Mozart, Alfred Einstein, Ed. Granada, 1971)
No final do ano de 1784, Mozart foi admitido na Ordem Maçônica em uma loja, de nome Benevolência, localizada na cidade de Viena; a partir daí, pode-se verificar grande influência
do simbolismo da Ordem na sua obra.
A primeira composição que ele fez para uma ocasião maçônica foi a cantata “Fesellenreise - K. 468”, dedicada ao seu pai, também maçom; muitas outras seguiram a esta, como “Die Maurer Freuse – K. 471”, “Música para funeral maçônico – K. 477”, “Canção para abertura e fechamento da Loja – K. 483 e K. 484”, “Alma da criação – K. 429”, etc.
No entanto, os iniciados na Ordem consideram como uma das suas mais belas produções maçônicas a Ópera “A Flauta Mágica”, levando Goethe, após assisti-la, escrever “A maioria dos espectadores irão gostar, os iniciados na Ordem maçônica, como eu, irão entender o simbolismo que encerra esta peça” (The Magic Flute, E. Batley, Ed. Dennis Dobson, 1969).
Nove semanas após a estréia desta ópera, no dia 5 de dezembro de 1791, Mozart morreu, quase que na miséria (O último ano de Mozart, Robbins Landon, Ed. Nova Fronteira, 1990)

segunda-feira, 7 de junho de 2010

A IGREJA CATÓLICA NA VOZ DE ALCEU AMOROSO LIMA

(11.12.1893 -14.08.1983)
Em 1957, quando cheguei em Curitiba, carregava no subconsciente, toda minha formação católica, tendo sido, inclusive, “coroinha” na igreja de Gaspar Lopes, lugarejo onde nasci, no sul de Minas Gerais.
“No segundo semestre de 1958, fui morar em uma “república” e meu companheiro de quarto era um estudante de medicina; para minha sorte, ele era, também, muito religioso. Gilberto, era o seu nome, ia à missa todos os domingos, convidando-me a acompanhá-lo em muitas oportunidades.
Lembro-me de quando os cardeais da igreja estavam reunidos no Vaticano, decidindo sobre a indicação do sucessor de Pio XII e Gilberto, na sua ansiedade, acabou contaminando-me; achava ele que se não se conseguisse escolher a pessoa certa, poderia criar-se um “cisma” no seio da igreja, com enorme dificuldade para a religião católica.
O sinal de que os cardeais haviam chegado a uma definição, seria a saída de fumaça na chaminé da Santa Sé. Este acontecimento foi noticiado em edição extraordinária pelo “repórter Esso” e foi recebida, por nós dois, até com emoção.
Ao chegar ao apartamento, Gilberto estendeu-me a mão, gesto que não estava entre os seus costumes, dizendo-me com indisfarçável emoção:
- O nosso Papa foi escolhido!” (Entre o sonho e a realidade, Hélio Moreira, Ed. Kelps. Goiânia, 2001).
Bisbilhotando a longa correspondência mantida entre o professor, filósofo, pensador e, sobretudo, fervoroso católico Alceu Amoroso Lima, também conhecido pelo pseudônimo de Tristão de Athayde e sua filha madre Maria Tereza (João XXIII, Ed. José Olympio,1966 e Cartas do Pai, Inst. Moreira Sales,SP, 2003) , procurei focar o período correspondente ao tópico transcrito acima, do livro de minha autoria, para que os leitores possam comparar o estado de espírito de dois jovens católicos com quem já era, naquela época, conceituado e respeitado humanista.
Alceu Amoroso Lima, então com 45 anos de idade, vivia em Nova York, onde ministrava um curso sobre “Civilização Brasileira” a convite da Universidade daquela cidade.
Pela correspondência entendemos que havia, por parte de Amoroso Lima, preocupação semelhante à nossa, a respeito da decisão dos Cardeais na escolha do sucessor de Pio XII, senão vejamos:
“13,10.1958...Você verá a lista dos Cardeais papáveis. Com que melancolia não vejo ali o nome de Monsenhor Montini, o nosso candidato; 19.10...Eu vim para a Igreja na mesma ocasião em que senti inclinação pelas ideias dos dois últimos Pios. Se agora vier um novo Pio IX ou um novo Pio X, deverei calar minha pena? Houve Papas maus, como homens, ao longo da História. Mas nunca houve Papas errados, como Papas. O que sair do Conclave será o melhor, como Papa, embora possa ou não o ser como homem; 27.10...Ontem houve dois rebates falsos partidos da própria radio Vaticano, que se enganou com a cor da fumaça. Quatro escrutínios em vão!; 29.10...Então temos novo Papa, João XXIII. É paternal, os comunistas já o classificam de “um conservador paternalístico”.Era o candidato dos Cardeais franceses, o que nos afasta dos perigos reacionários. Ele é um intervalo, um descanso, um banco, um copo de água, uma cadeira de balanço, depois desta tremenda abertura de caminhos feita por Pio XI e Pio XII. O Espírito Santo viu isto lá de cima!; 21.01.59...Leio no jornal que o Osservatore Romano de hoje publica um artigo reafirmando a incompatibilidade formal entre socialismo e a doutrina social da Igreja; minha posição é a distributista. Nem capitalismo, nem socialismo. Em Roma, as forças reacionárias é que continuam dominando os círculos do Vaticano. O Vaticano vai guinar para a direita, isto é, para o catolicismo aliado à aristocracia, à burguesia, e separado das classes populares”.
Recorro, mais uma vez, ao meu livro citado acima, e transcrevo mais um trecho das nossas “discussões” a respeito da posição da Igreja Católica no inicio do Pontificado de João XXII, para que se compare com o que diz Alceu de Amoroso Lima:
- “Estávamos reunidos para analisar a participação da JUC (Juventude Universitária Católica) na formação da AP (Ação Popular), tendo em vista as mudanças que estavam ocorrendo, em algumas conceituações da filosofia da Igreja Católica, no Pontificado de João XXIII. A ideia desta corrente, que tentava dar novo direcionamento ao pensamento filosófico do catolicismo, era o da opção por um socialismo de inspiração não-marxista. Esta corrente buscava apoio em pensadores católicos, principalmente Teilhard de Chardin, Maritain e Lebret, que se diziam seguidores de uma “ideologia própria” e chamavam isto de socialismo-humanista”.
Ao compararmos o que pensávamos ou éramos levados a pensar a respeito do catolicismo e o que, realmente, pregavam aqueles pensadores, observamos que nossa opção pelo socialismo-humanista, como doutrina católica, não era, seguramente, a visão daqueles pensadores, pelo menos a de Maritain, a quem ele, Alceu Amoroso Lima, devotava imensa amizade e comunhão de ideias, como vemos na carta de Alceu Amoroso Lima, datada de 01.06.59...”Segundo Maritain, civilizar é espiritualizar, a lição de Cristo nos ensina que nada que é construído sobre a matéria é durável. Cristianizar o mundo moderno não é aliar-se ao capitalismo, ao comunismo, aos militares, aos ditadores ou aos partidos, mas arrancar do mundo- ou tentar diminuir- a injustiça, a exploração, a miséria, a doença, o vicio, o pecado, a guerra, a violência e o crime”.
Erramos? Não, tínhamos ilusões! Repito uma citação de Franz Kafka e que escrevi nas ultimas linhas do meu livro acima citado : “Somos levados na vida, muitas vezes, por ilusões, fomos com frequencia, superficiais e otimistas. Os momentos são vividos no lapso dos acontecimentos, depois, serão apenas tentativas de reconstrução dos fatos.

CONSTRANGIMENTO NA ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS

É costume na Academia Goiana de Letras, embora não seja um dispositivo estatutário, permitir que o candidato a ser empossado em uma cadeira para a qual foi eleito, escolha, entre os membros do sodalício, aquele que vai saudá-lo na efeméride.
Não sei se a Academia Brasileira de Letras ainda mantém a tradição desta indicação partir do Presidente da Instituição, como acontecia nas primeiras décadas do seu funcionamento.
Na sessão de posse de novo acadêmico do dia sete de janeiro de 1911, aconteceu um fato que deve ter trazido alguma contrariedade e, principalmente, constrangimento, não só aos acadêmicos que assistiam à sessão, mas também, aos convidados que lá estavam presentes.
Tomava posse na cadeira que pertenceu a Joaquim Nabuco o General,e, posteriormente, Marechal, Dantas Barreto e, para saudá-lo, o presidente da ABL indicou o acadêmico e jornalista Carlos de Laet.
Não temos informação, porém, tudo indica que esta indicação foi “caso pensado”, pois, era sabido que Carlos de Laet tinha grandes restrições ao General Dantas, provavelmente não à pessoa em si, mas sim, ao que ela representava: era ministro da Guerra do Presidente Hermes da Fonseca, sobrinho do Marechal Deodoro da Fonseca, a quem Laet nunca perdoou pelas perseguições que sofrera após a proclamação da república (foi aposentado como professor do Colégio Pedro II e foi preso durante a revolta de 1893 no Rio Grande do Sul, pela sua estreita ligação com a Monarquia)
Mais dois fatos corroboraram para o imbróglio: O recipiendário, no caso o General, discursaria antes do orador encarregado de dar-lhe as boas vindas e a sua oração deveria ser, por norma da casa, de elogios ao ex-titular da cadeira que este deveria passar a ocupar, no caso Joaquim Nabuco a quem Laet combatia, sem dó nem piedade, pelo fato deste antigo defensor da Monarquia, ter aceitado um cargo de embaixador do governo republicano (A vida literária no Brasil 1900, Brito Brota, José Olympio Ed., 2005).
Possuo vários volumes de discursos proferidos em posses acadêmicas na ABL e, por tal motivo, ouso afirmar que este foi um dos mais belos e mais bem construídos, literariamente falando, de toda a história daquele sodalício - foi irônico, poético e, sobretudo, mordaz.
Após lermos esta peça literária, pode-se compreender a razão pela qual Machado de Assis, Rui Barbosa e Carlos de Laet, serem cognominados, na época, como a tríade da suprema perfeição lingüística.
O preâmbulo da oração já sinalizava o desiderato do orador: “Por um impulso de modéstia, o General pondera que os sufrágios a ele concedidos, foram, na verdade, ao exército brasileiro. Escusai-me, General, nesse atalho da sua modéstia, ouso antepor-vos as resistências da verdade. O triunfo é vosso, não são os vossos títulos militares que vos dão entrada neste recinto”
Após tecer considerações genéricas, porém, sempre inclementes, a respeito da obra literária do novo acadêmico: “A certo grupo o seu estilo há de parecer menos colorido, e talvez o léxico menos opulento, com orgias vocabulares. Vossos livros retratam o homem da vossa época, pois, participais das paixões e preconceitos, nem sempre isentos do influxo político”, Laet enfoca, com ironia, o livro Impressões militares: “Ao narrardes o abandono de Corumbá, ensejou que profligasse o descalabro do nosso exército monarquista, apenas confiado na muito apregoada sabedoria de um rei inimigo do exército. Felizmente General, o senhor pertence ao número daquelas testemunhas que, citadas ou para a acusação ou para a defesa, em nada altera os fatos, pois, em outro lugar, do mesmo livro, encontro-o a bosquejar as ruínas do exército em 1894, cinco anos após o exílio do Imperador, portanto, deixai que disto, em prol da justiça, eu tire proveito e concedei-me que, ao menos, no descalabro de 1894, nenhuma culpa teve o Soberano”.
Ao comentar o livro Expedição a Mato Grosso, Laet volta, veladamente, a criticar o General-acadêmico “Referís ao tentame de restaurar um governador exautorado; nos lúgubres disparos que terminaram o pleito, reconhecemos, entristecidos, o quanto falta de liberdade”
Já quase no final do discurso, quando ninguém pensava que pudesse surgir mais algum desacato, Laet resolve responder aos comentários, elegantes e protocolares, (diga-se de passagem), feitos pelo recipiendário a respeito de Joaquim Nabuco.
Reafirma a acusação de desertor, formulada na sátira “O embaixador” que ele produzira; pergunta ao General “como ele procederia, se na guerra, visse alguém abandonar a trincheira. Faria fogo, fora o que ele fizera, com respeito a Nabuco. Um dia, em 1889, na última sessão da Câmara dos Deputados da Monarquia, eu ouvi Nabuco dizer de Ouro Preto - Ele assemelhou-se, na defesa dos seus compromissos, ao imóvel rochedo que enfrenta as águas do oceano, quedando imóvel, assinalando as raias do litoral. Sabeis o que houve depois!”
O epílogo foi a repercussão na imprensa, com comentários desfavoráveis a Laet e à Academia; fora esta quem fuzilara Nabuco no tiro disparado por Laet.
Finalmente a Academia fez estampar no Jornal do Comércio uma carta, declarando não se considerar solidária a tal opinião.

O lado esquerdo do rio Sena, efervescência cultural dos anos 1930-1950.

Se estamos em Paris, não há como deixar de ir “bouquinar” no sebos situados na ( rive gauche) margem esquerda do rio Sena; há que caminhar sem pressa, parando em todos os “bouquins” conversar com o vendedor, ouvir sua opinião sobre este ou aquele livro que manuseamos com extremo cuidado para que as folhas não se soltem em nossas mãos; folhear, com indescritível prazer, antigas revistas, discutir o preço daquela particular gravura datada do século XIX, dizer “merci, au revoir” (obrigado, até logo) e continuar pesquisando.
Foi ali, em um “bouquin” nas imediações da Notre Dame que adquiri um dos livros mais raros da maçonaria “O triângulo de Pitágoras”, editado em Londres em 1875, foi também ali que encontrei socorro, ao adquirir um magazine de modas “L’Illustration” editado no ano de 1913, com ilustrações sobre o vestuário do inicio do século passado, a fim de poder trajar os personagens do livro que está em andamento;
Nestas imediações, em velhas casas localizadas em ruas que terminam ao longo do Sena, viveu uma multidão de homens e mulheres (escritores, escultores, pintores, jornalistas) a partir dos anos 30 do século passado, cujas manifestações ecoavam por toda Europa, quiçá, por todo o mundo.
Esta efervescência de ideias durou até próximo do término da segunda guerra mundial, quando um episódio dividiu o grupo: a ocupação da França pelos alemães; a partir daí muitos deles passaram a lutar em campos opostos e estenderam esta divisão para o grande embate ideológico este-oeste que veio a seguir.
Mesmo com esta divisão, o grupo mantinha-se unido pela lealdade, freqüentavam os mesmos cafés, as mesmas universidades, as mesmas redações de revistas e jornais, respeitando as opiniões divergentes.
A grande maioria da intelectualidade daquela época estava envolvida com os ideais socialistas emanados da União Soviética e, a defesa daquele regime contra as investidas do capitalismo, era questão de honra.
Olhando à distância acredito, e esta presunção é compartilhada por inúmeros historiadores, que um dos acontecimentos mais importantes ocorrido em meio àquela efervescência de idéias, foi o congresso internacional de escritores.
Não temos condições de narrar todos os fatos e identificar todos os personagens envolvidos neste episódio, porém, é necessário frisar: o acontecimento não teria ocorrido se não fosse a participação do poeta e romancista russo Ilya Ehrenburg, que vivia em um pequeno apartamento localizado nas imediações de Montparnasse.
Ehrenburg era correspondente do jornal Izvestia de Moscou; ao lado de ser figura muito conhecida no meio intelectual da Rive Gauche era considerado um “boa vida”.
Exímio articulador político, passou a se preocupar com o crescimento do fascismo na Europa; viajou a Moscou em 1934, na companhia de André Malraux, para assistir um congresso de escritores; na volta expôs à André Gide e André Malraux aquelas suas preocupações e ele próprio se convenceu que deveria organizar um movimento de intelectuais franceses e soviéticos contra o fascismo.
Ehrenburg recebeu instruções, diretas de Stalin, para organizar um congresso internacional de escritores pela defesa da cultura, a ser realizado em Paris; no começo de 1935 um grupo de escritores se reuniu para traçar o programa e definiram a data: 21 a 25 de junho.
Concordaram em estender o convite a todos os escritores que estavam, de alguma maneira, envolvidos com os ideais socialistas e principalmente os que tivessem algum significado literário; sequencialmente definiu-se a lista de oradores, destacando-se Bertolt Brech, Máximo Gorki, Ehrenburg, Gide, Malraux, Aldous Huxley, Louis Aragon, Tzara ( do movimento dadaísta), Breton ( movimento surrealista) dentre outros.
Um acontecimento extraordinário ocorreu pouco antes da inauguração do congresso: André Breton, ao tomar conhecimento de um livro que Ehrenburg publicara, onde dizia que o movimento surrealista estava envolvido apenas com “pederastia e sonhos”, sentiu-se ofendido e encontrando-o na via publica, o esbofeteou; como resposta, Breton foi, por Ehrenburg, proibido de falar no congresso.
Todas as tentativas foram feitas no sentido de mudar o rumo dos acontecimentos, não teve jeito, os surrealistas e os trotsquistas não falariam!
André Gide foi indicado para presidir (simbolicamente) o congresso (cerca de 3.000 congressistas oriundos de quatorze paises), tendo Malraux , realmente, como o condutor do processo; foram cinco dias e cinco e noites de frenéticas discussões.
No entanto, apesar da temática do congresso ter sido inteiramente em defesa do regime soviético, pairava no ar uma aura de desconfiança contra Stalin, cuja política repressiva aos livres pensadores, portanto aos escritores, ecoava na imprensa ocidental; estava difícil explicar o caso do escritor russo Victor Serge, exilado para os Urais, por delito de idéias.
Quando Boris Pasternak, já bastante conhecido no ocidente, antes mesmo da publicação do Doutor Jivago discursou sob imensa ovação, muitos entenderam a sua mensagem cifrada: “Falar de política? Fútil, fútil...política? Para o campo, amigos, ide para o campo colher flores”; não havia como ignorar o caso Serge!
Ehremburg tentou explicar: “A revolução causara sofrimentos, mas, haveria partos sem dor? A União Soviética tinha o direito de se defender dos inimigos da revolução”, Gide complementou: “Nossa confiança na União Soviética é a maior prova de amor que lhe podemos dar”.
Algum tempo depois destes acontecimentos André Gide, que havia se declarado comunista de coração, foi à União Soviética, voltou desiludido com o que viu e escreveu o famoso livro Retour de l’URSS (retorno da União Soviética), um verdadeiro libelo contra o regime comunista.
Bem, este é um outro assunto!


ELOS DA MESMA CORRENTE – Rosarita Fleury

Tive a ventura de conhecer Da. Rosarita! Apesar de haver uma certa aproximação familiar, minha mulher é irmã do esposo de Elizabeth Fleury, sua filha, só tive oportunidade de visitá-la uma única vez na sua residência, à Avenida Paranaíba, nos idos de 1968. Naquele dia ela dedicou-me o seu livro “Elos da mesma corrente”, lembro-me que conversamos sobre suas lides literárias; mais ouvia suas histórias do que propriamente falava das minhas.
Ficou-me, daquela visita, a imagem de uma pessoa extremamente modesta, de prosa agradável e de espírito superior, com a capacidade de deixar no interlocutor a sensação de que tinha muitas mais coisas para dizer.
Neste mês de junho vão ser comemorados 51 anos de lançamento daquele seu livro, estando, inclusive, programada uma sessão festiva na Academia Feminina de Letras e Artes de Goiás, alusiva a este acontecimento e ao cinquentenário da premiação Julia Lopes de Almeida, que lhe foi concedida pela Academia Brasileira de Letras.
Recentemente tive a oportunidade de discutir com a escritora Elizabeth Fleury, por sinal membro da AFLAG, alguns aspectos da vida de Dona Rosarita, principalmente no que concerne ao seu premiado livro “Elos da Mesma Corrente”.
Procurava, naquela oportunidade, descobrir algumas curiosidades a respeito da produção daquele livro, hoje considerado um dos clássicos da literatura goiana.
A maioria das informações que serão aqui divulgadas é inédita, portanto, sinto emoção e alegria por trazer ao conhecimento dos leitores alguns acontecimentos da vida desta grande escritora goiana, orgulhosamente, para nós, pertencente aos quadros da Academia Goiana de Letras.
Conta-me a Elizabeth que a mãe gostava de dizer que desde criança sempre sonhou escrever um romance, por ouvir relatos de tias e avós a respeito de acontecimentos em fazendas de escravos; sua mente de criança registrou as estórias fantásticas contadas pelo negro Salu, ex-escravo alforriado pelo seu avô.
Uma curiosidade interessante: seu primeiro projeto de livro, na realidade, foi “Sombras em Marchas”, porém, teve que interrompe-lo, pela impossibilidade de viajar ao Mato Grosso, palco da trama, a fim de pesquisar; aliás, diga-se de passagem que em 1970 ela conseguiu fazer a viagem e então completou aquele livro, lançando-o em 1985.
Diante do impasse, foi encorajada pelo esposo a escrever o que seria a segunda parte daquele primeiro projeto, uma vez que a trama deste, “Elos da mesma corrente”, se desenvolve, exclusivamente, em Vila Boa de Goiás, facilitando, portanto, a sua execução, até porque ela já havia, no seu intimo, resenhado-o há muito tempo.
Quando começou a escrever o romance Da. Rosarita estava com menos de quarenta anos de idade, morava em Araguari, onde o esposo era engenheiro da estrada de ferro Goiás; por se sentir muito sozinha (conta-me Elizabeth) resolveu dar asas à imaginação e iniciou os originais do livro; utilizava-se de uma maquina Olivetti e trabalhava no período da tarde (quando as crianças estavam na escola) e de madrugada.
Ela afirmava, como sempre acontece com o escritor ficcionista, que os fatos e personagens do romance, não guardavam nenhuma semelhança com pessoas vivas ou mortas, porém, muitos parentes que leram o livro na época do seu lançamento se achavam retratados no mesmo.
A este respeito o autor do livro “Casas de Família”, Denis Tillinac, escreveu na página de rosto: “A família Aubac não existe. Nem os ambientes, os personagens e as situações evocadas neste romance. Nada, entretanto, foi inventado...”
De fato, conhecendo (como conhece sua filha) os fatos reais, podem-se verificar algumas coincidências: a fazenda Santa Tereza, que pertenceu aos avós da autora, local onde ela passava algumas férias escolares, ganhou, no romance, o nome de Santa Lucia, aliás, é necessário acrescentar que o Dr. Gerônimo, seu esposo e primo, por ser 13 anos mais velho, lembrava-se de muitos detalhes que ela olvidava, inclusive, reconstruiu, para ela, a planta da fazenda, facilitando, portanto, que os personagens “circulassem” pelas veredas com maior facilidade.
Tenho minhas dúvidas, porém, acho que o personagem “nêgo José” do romance é superponível ao antigo nego Salú, escravo do avô da autora; bem, de toda maneira, pode-se parafrasear Oscar Wilde “A arte imita a vida”.
Depois de escrito o romance (três anos de trabalho intelectual), a grande dificuldade foi a impressão; cinco anos de lutas e muitas contrariedades, pois a mesma foi feita na oficina gráfica da Estrada de Ferro Goiás, no sistema linotipia (linha por linha), com infindáveis idas e vindas entre Aragauari e Goiânia, onde ela passou a residir a partir de 1954, dos “bonecos” dos capítulos.
Finalmente, em 1958, cansados, ela e o esposo, de corrigirem os originais, resolveram “fechar os olhos” para os erros e, em junho de 1958, o livro foi lançado no Bazar Oió, com grande expectativa do meio cultural.
Da. Rosarita, em uma oportunidade, voltou à antiga fazenda Santa Tereza, ficou decepcionada com o que viu; até o rio Fartura onde, provavelmente, ela mergulhou quando criança, já estava quase seco...
No entanto, se naquele dia ela fosse escrever novamente o romance, como grande ficcionista que foi, tenho certeza que ela recriaria todas as fantasias, reconstruiria a casa da fazenda, faria a água voltar a correr no rio Fartura e voltaria a embalar os sonhos dos seus leitores!

VIDA LITERÁRIA NO BRASIL 1900 ( Brito Broca, José Olimpio Editora-5ª.edição, 2004

Presença de Hugo de Carvalho Ramos.
No inicio do século 20 foi fundada no Rio de Janeiro, sob imensa expectativa, como relata Brito Broca, a boate Chat Noir cópia da similar existente em Paris. Foi um acontecimento! “Ia-se ao Chat Noir, como a um supremo prazer de arte” como afirmava o grande cronista e literato João do Rio - “ e a voz da pítia daquela Delfos recitava sonolentamente as Névroses de Rollimar e os trechos mais profundos de Baudelaire e Bruant”.
Olavo Bilac escrevia na Gazeta de Noticias que o Chat Noir “ia desmoralizar a morte” e concluía – “ já temos no Rio de Janeiro um lugar onde se pode, confortavelmente, rir da morte”.
Conclui-se que o lado boêmio dos fazedores da literatura daquela época freqüentava a tal boate.
A repercussão daquela casa de divertimentos, como não podia deixar de acontecer, extrapolou os limites da capital federal, como nos conta o autor de Vida Literária no Brasil 1900 – “Na velha capital de Goiás, naquelas distâncias do Brasil Central, ainda encontrávamos, em 1911, um bar com essa denominação. É o que verificamos na correspondência familiar do escritor goiano Carvalho Ramos, apensa ao volume de suas Obras completas. Em carta à irmã, datada de 24 de maio daquele ano, escrevia ele: “ Este é o modo de viver sensato, natural, na opinião de todos, de um rapaz desocupado ou de um estudante em férias: beber qualquer droga inferior que seja no Chat Noir”.

Hélio Moreira
Cadeira 24