BAÚ LITERÁRIO

Tratam-se de textos ( resumos de ensaios) que são publicados a cada 15 dias no suplemento literário da Academia Goiana de Letras ( encarte do jornal Diário da Manhã de Goiânia)

quarta-feira, 7 de julho de 2010

FREUD ESCANDALIZA VIENA

A partir do momento que Freud deixou que seus pacientes, livremente, associassem suas idéias e seus pensamentos, seria inevitável que estes lhes contassem seus sonhos; ele mesmo tinha interesse pelos seus próprios, muito antes de saber compreendê-los.
Freud disse que o sonho funciona como se fora uma miniatura de modelo de neurose, porém, para interpretar e analisar aqueles casos em que estes, aparentemente, escondem esta neurose, precisará recorrer aos símbolos que foram propostos por ele; a energia emocional provocada pela doença se esconde no inconsciente do indivíduo e o consciente funciona como uma barreira que não permite que se aflore a realidade.
Ao descrever um dos seus próprios sonhos: “A injeção de Irma”, Freud não o fez por completo, pois ele percebeu que a discrição (não deixa de ser uma barreira do consciente) não lhe permitia que revelasse seus pensamentos mais íntimos para o publico; ele foi até o suficiente para que possamos compreender que assuntos que envolviam sua própria mulher poderiam provocar suscetibilidades desnecessárias.
É necessário realçar que Freud, ao analisar os sonhos, não estava interessado somente em mentes doentes, como se poderia supor.
Esta descoberta mudou a imagem que tínhamos da mente humana; as neuroses não são simplesmente anomalias, porém são, também, outra maneira de funcionamento da mente; por outro lado, a análise da neurose permite o acesso a compartimentos escondidos na mente que não estão, normalmente, abertas para a inspeção.
A partir destes estudos Freud dividiu a mente em duas partes: a pré-consciência, que contém todas as idéias e memórias capazes de tornarem-se conscientes, e a inconsciência, que é feita de desejos, na maioria das vezes sexual.
Por volta de 1905, Freud publicou os “Três ensaios sobre a teoria da sexualidade”, que era um complemento dos seus artigos sobre a “Teoria da sedução” escritos entre 1895-97, escandalizando a sociedade de Viena, inclusive a médica, uma vez que ele colocou o sexo não apenas na esfera orgânica, mas também, no domínio do psíquico.
Na verdade, o que causava maior escândalo, era a abolição que ele fez da fronteira entre o normal e o patológico, que queria dizer, com outras palavras: somos todos, de alguma maneira, portadores de algum tipo de distúrbio psíquico;falta apenas o diagnóstico.
A histeria não se origina de taras hereditárias nem acidentes orgânicos e sim de acontecimentos banais na vida das pessoas e qualquer um pode sucumbir a ela.
As perversões mais repugnantes e mais contrárias à moral devem ser vistas como sobrevivência da sexualidade infantil, abolindo, com este enunciado, a última fronteira – a inocência da criança!
É a introdução da esfera sexual na vida cotidiana das pessoas, ainda que de maneira reprimida pelo inconsciente, que o público reprovou e se recusou a aceitar.
Se ouvirmos o escritor austríaco Stefan Zweig, cujos anos de adolescência coincidem com a época em que Freud começou a falar sobre suas descobertas (1893 em diante) iremos entender a razão desta “revolta” da população.
Ouçamos Zweig: “Havia um espesso manto de silêncio que encobria a questão do sexo, cujo assunto ninguém ousava tratar abertamente, quer na vida diária, quer na literatura; como exemplo o romance Madame Bovary do escritor Flaubert foi proibido na França.
A ambiguidade da moda que, a pretexto de dissimular as formas do corpo feminino, fazia ressaltar de maneira provocante, gerando efeito contrário ao desejado, tornando os seios mais exuberantes pelo artifício do corpete.
A duplicidade desta moral que assexuava na superfície para estimular em segredo, a convenção definia que o homem deveria possuir instintos, porém, não havia um reconhecimento sincero deste direito para as mulheres, pois, diziam, a natureza feminina não é dotada de desejo sexual, até que um homem o desperte nela – apud Freud, pensador da cultura; Renato Mezan; Cia das Letras, 2005”.
Na verdade Zweig estava, simplesmente, repetindo os mandamentos da moral emanados da era Vitoriana.
Todas as vezes que voltei a Viena fiquei sempre envolvido com os seus famosos cafés nas calçadas, suas confeitarias, casas de vinho, o romantismo que o rio Danúbio impregnou, desde sempre, em nossas lembranças mais antigas e, também, com a figura e a “presença” de Mozart; porém, nunca desaparece a impressão de que esta cidade foi, um dia, Imperial.
Sua localização, nas imediações dos Alpes, obriga-nos a pensar alto: Viena não perdeu sua grandeza, ela apenas perdeu seu Império; a lembrança de Sissy,a Imperatriz dos Habsburgo, representa para nós a fantasia da sua existência e para o historiador a memória da Áustria antiga.
Ao pararmos em frente à “Ópera Royal”, o primeiro edifício público construído na Ringstrasse em 1869, portanto, quando Freud completava 13 anos de idade, somos obrigados a pensar na população que a frequentava e, principalmente, sobre seus costumes.
Com certeza esta população não estava preparada para entender e aceitar que Freud estava mudando a visão convencional sobre sexo e perversão; que os objetivos do prazer e procriação, nem sempre coincidem; sexo e aparelho genital são duas coisas completamente diferentes; o prazer sexual pode ser obtido de qualquer uma das partes do corpo, pois, sexualidade nem sempre está relacionada à atividade dos órgãos genitais.
Freud foi mais longe ao dizer: A história sexual do individuo inicia-se com o seu nascimento!
Por quê? Veremos no próximo capítulo.

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